domingo, 18 de setembro de 2011

O passado como fuga e aprendizado

Em Meia-noite em Paris, Woody Allen tece críticas ao modo de vida estadunidense e exalta “anos de ouro” de Paris
 
Por Miguel Yoshida
Cena do filme Meia-noite em Paris,
do diretor estadunidense Woody Allen - Foto: divulgação


O filme Meia-noite em Paris, a mais recente produção do diretor estadunidense Woody Allen, em cartaz nos cinemas desde junho, tem se mostrado um grande sucesso de público e de crítica. Allen, hoje com 75 anos de idade, desde que iniciou a sua carreira como diretor de cinema – antes foi comediante em pequenos bares nos Estados Unidos – tem conseguido realizar quase um filme por ano, contando com quase 50 filmes já feitos.

Uma grande proeza se levarmos em conta que seus filmes não seguem o modelo das produções culturais de Hollywood: grande orçamento, grande publicidade, um roteiro muito pobre e um final feliz. Ele consegue de forma quase sempre brilhante aliar uma boa narrativa, um ótimo trabalho com atores e atrizes e uma crítica ao modelo de sociedade estadunidense com tons de comédia ou drama.



 Paris dos anos de 1920
Ao longo de sua carreira, é recorrente o tema dos conflitos familiares, sobretudo entre casais, em suas mais diversas formas. Em Meia-noite em Paris, o fio narrativo se dá a partir do conflito de jovens estadunidenses prestes a se casarem.

Na produção deste ano, a história se desenrola a partir do drama vivido por Gil Pender, um bem-sucedido roteirista da indústria cinematográfica de Hollywood apaixonado pela cidade de Paris e por sua noiva Inez, que passa férias com ele na cidade francesa. Gil, descontente com seu trabalho, para ele cada vez mais vazio de sentido, está em busca de seu sonho: tornar-se escritor de romances, buscando, com isso, fugir da produção em série de roteiros de filmes enlatados. A necessidade de manter o alto padrão de vida por ele alcançado – e desejado por sua noiva – é um dos nós que o impossibilitam de romper com seu trabalho e com a vida que leva.

Isso se constitui como uma grande contradição para Gil, pois ele também é um amante da tradição clássica da literatura, da música e das artes plásticas que havia na Paris dos anos 1920 e que compunham uma grande efervescência artística. Lá viviam grandes escritores como Scott Fitzgerald, Ernst Hemingway, Gertrude Stein; os três, estadunidenses que migraram para França; André Breton, importante figura do movimento surrealista na literatura; artistas plásticos do calibre de Pablo Picasso, Salvador Dali, Modigliani; cineastas como Luis Buñuel; músicos como Cole Porter, reconhecido compositor de trilhas sonoras de musicais e de produções cinematográficas; entre outros.

É nessa tradição que Gil Pender se inspira para escrever seu romance e fugir do modelo de vida estadunidense (o “american way of life”). É a propósito da escrita de se livro que um dia ele descobre uma espécie de “túnel do tempo” em uma pequena rua de Paris, onde após à meia-noite ele pode voltar à cidade das luzes da década de 1920 e conviver e encontrar com todos os artistas mencionados.

Volta ao passado
A importância de se refletir sobre esse filme vai além de compreender o seu sucesso de bilheteria; está, sobretudo, nas questões que aborda de forma crítica. Uma delas é a tensa relação que Gil mantém com seu sogro – um empresário estadunidense que está em Paris a negócios, defensor de posições conservadoras e reacionárias de grupos de direita dos EUA como, por exemplo, o Tea Party – nos mais diferentes aspectos: políticos, ideológicos, artísticos, sociais etc.

Outro tema brilhantemente abordado é como as relações conjugais são mantidas principalmente pela sua aparência. Isso fica evidente na relação entre Gil e Inez, cujas perspectivas de vida são completamente diferentes, mas que, por estarem noivos, devem levar em frente o relacionamento e perpetuar o modelo estadunidense de família.

A paixão de Gil pela Paris dos anos 1920 traz duas questões a se refletir. A primeira delas é que a partir de seu descontentamento com o presente – do qual ele é um crítico cético – ele irá buscar no passado o seu ideal de vida; a segunda é a relevância da produção cultural e artística de alta qualidade estética produzida nas diferentes épocas.

Com relação ao primeiro aspecto, a volta ao passado se configura primeiramente como fuga, para depois se tornar aprendizado que influenciará sua decisão frente ao presente. O segundo aspecto se vincula ao primeiro, pois a convivência com os que se tornaram grandes artistas do século 20 constitui parte do aprendizado de Gil.

Outro aspecto que merece uma detida reflexão é a decisão que Gil Pender toma, após ter aprendido com a história, com relação ao seu futuro. Estão colocadas para ele a opção de seguir a vida tal como está, trabalhando como roteirista, se casar com Inez e manter as aparências frente à sociedade, ou romper com isso e ficar em Paris, caminhando na chuva, se reinventando como escritor e construindo uma nova vida.

Miguel Yoshida é editor da editora Expressão Popular

Fonte: Brasil de Fato

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