sábado, 29 de outubro de 2011

Aumenta pressão social contra projeto que altera Código Florestal

Articulação social através de Comitês em Defesa da Floresta cresce, assim como manifestações de cientistas, juízes, artistas e intelectuais

Vinicius Mansur
  
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) encaminharam aos senadores, em 11 de outubro, um documento solicitando alterações no Projeto de Lei da Câmara (PLC) 30/2011, que reforma o Código Florestal. O texto afirma que “o Senado Federal tem o importante papel de corrigir os equívocos verificados na votação da matéria na Câmara dos Deputados” e alega inconstitucionalidades e a falta de justificativas científicas em algumas mudanças previstas no projeto atual. 

A Associação dos Juízes para a Democracia (AJD), também na semana passada, reforçou o coro dos cientistas e disse, por meio de nota à imprensa, “não ao PLC 30/2011, por sua patente inconstitucionalidade material, à luz dos dados científicos desvelados”. A AJD pediu ao Senado que, pelo menos, conceda à ciência o prazo solicitado, de no mínimo de dois anos, para a elaboração de estudos técnicos de impactos ambientais, antes de qualquer alteração do Código. 

Semana passada foi a vez de célebres nomes brasileiros do cinema, da TV, da academia e da moda emitirem sua opinião, na TV e na internet, através de uma série de depoimentos intitulados “Mensagem aberta aos senadores e aos brasileiros”, sob a coordenação do cineasta Fernando Meirelles. Estão na lista Gisele Bündchen, Rodrigo Santoro, Wagner Moura, Regina Casé, Denise Fraga, Marcos Palmeira, Gero Camilo, Fernanda Torres, Felipe Camargo, Ricardo Abramovay, José Eli da Veiga, entre outros. Trechos destes depoimentos já estão circulando na web e na TV, mas, na sexta-feira (21) todos eles já estavam disponíveis na internet para livre circulação. 

Comitês 
Por outro lado, a organização da sociedade civil está sendo fomentada pelo Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, que reúne mais de 200 entidades estudantis, religiosas, sindicais, ONGs e movimentos sociais. “Estamos em fase de expandir o enraizamento desta articulação”, afirmou o secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz, Pedro Gontijo. 

Até agora já foram fundados os comitês do Distrito Federal, Curitiba, São Paulo, São Carlos (SP), Rio de Janeiro, Ceará e Minas Gerais. Este último foi lançado em Belo Horizonte no dia 17 de outubro, com a presença de Marina Silva, lotando o auditório da PUC Minas. Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul tem o lançamento de seus comitê previstos para os dias 24 de outubro, 10 e 21 de novembro, respectivamente. Mato Grosso e Piauí também lançarão seus comitês, mas as datas ainda não estão estabelecidas. 

“O Senado deve perceber o aumento da pressão social contra alterações no Código Florestal. A sociedade está atenta e se organizando contra os ataques à legislação ambiental”, pontuou Gontijo.


sábado, 22 de outubro de 2011

Nós, os indígenas do Brasil,



Excelentíssima Senhora Presidenta da República,

Nós, os indígenas do Brasil, sempre estivemos à margem da sociedade brasileira, apesar de um dia termos sido donos desta terra, desde as colonizações vimos lutando e reivindicando por nossos direitos a terra, assim como, pela educação e saúde, pelos direitos de ir e vir e o de nos manifestarmos por meio de nossa rica cultura, para que pudéssemos viver com dignidade, como seres humanos e acima de tudo, como cidadãos legítimos deste país.

Sempre que chegamos às grandes cidades, como Manaus, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, dentre outras, enfrentamos grandes dificuldades para nossa sobrevivência, pois a discriminação é visível e nos impede de competirmos como os outros cidadãos no mercado de trabalho. Não há espaço para todos os 35.000 indígenas, que atualmente vivem aqui no Rio de Janeiro.

No dia 20 de outubro de 2006, indígenas de diversas etnias como: Pataxó, Guajajara, Apurinã, Tukano, Guarani, Xukuri-Kariri, Xavante, Tikuna, Tupi Guarani, Fulni-o ,Potiguar decidimos zelar pelo espaço do original Museu do Índio, localizado à Rua Mata Machado, nº 126, cujo acesso atual é feito pela Av. Radial Oeste, em frente ao Estádio Mário Filho (Maracanã), no Rio de Janeiro, o qual se encontra em total estado de deterioração e abandono desde 1977. Ressaltamos que até a data da nossa decisão, o casarão era moradia de mendigos e esconderijo de marginais de toda espécie.

Desde então, este local transformou-se; além de nossa moradia em um centro cultural (www.centroculturalindigena.jimdo.com) onde desenvolvemos trabalhos educacionais e sociais, inclusive com projetos aprovados por diversos órgãos, divulgando à sociedade brasileira, a nossa verdadeira cultura indígena, como a nossa arte, hábitos, culinária, crenças, cantos, danças, grafismos, e toda a oralidade ainda em uso em nossas florestas, sem intermediários. Todo este trabalho visa alcançar os seguintes objetivos:

- Mobilizar a sociedade brasileira ao respeito e apoio aos nativos deste país;

-Fortalecer a educação nacional, erradicando estereótipos e eliminando preconceitos;

-Fazer valer a Lei 11645/08 promulgada no Governo do Presidente Lula que torna obrigatório o ensino da história e cultura indígena nos currículos escolares;

-Divulgar o conhecimento da medicina ancestral, costumes, esportes, etnografia, rituais, dentre outros;

-Integrar harmoniosamente indígenas e sociedade sem perdas de culturas e valores;

- Apoiar a formação universitária de profissionais para melhor assistir às suas aldeias.

Temos muita convicção de que este casarão é o espaço mais adequado de referência e assistência aos povos originários, no Rio de Janeiro, pois além de estarmos desenvolvendo nele um maravilhoso trabalho, sabemos de sua importância como marco da museografia e sua enorme influência nacional e internacional, bem como do seu tombamento em 1997. Também neste local, residiu o Marechal Cândido Rondon, fundador do Serviço de Proteção Indígena (SPI), serviço este que deu origem a FUNAI. Por outro lado, estando localizado junto ao Estádio Mário Filho (Maracanã), ponto de destaque da malha urbana do bairro Maracanã, referência arquitetônica para a cidade, este casarão após reforma poderá tornar-se em importante pólo revitalizador para esta região.

Portanto a nossa expectativa e desejo são pelo reconhecimento da grandiosidade do trabalho que vem sendo realizado e da valorização deste patrimônio histórico sob a forma de reforma do casarão que se encontra em ruínas. Com isso, obteremos a estrutura adequada ao prosseguimento dos nossos projetos culturais e educacionais e poderemos continuar apoiando os indígenas urbanos e os em trânsito de suas aldeias que estudam e sobrevivem na cidade do Rio de Janeiro, que não contam aqui com o apoio da FUNAI.

Atualmente, nos encontramos muito apreensivos com as obras de adequação do Estádio Mário Filho (Maracanã) para atender aos jogos da Copa do Mundo em 2014, e pela especulação imobiliária do entorno que vem sendo constantemente ventilada na imprensa, sentindo-nos pressionados e preocupados em sermos expulsos do referido casarão a qualquer momento, pois sabemos que existe uma grande expectativa dos organizadores e patrocinadores do evento da Copa em demolí-lo, e transformá-lo em estacionamento ou shopping.
Perguntamos:
Como pode ser demolido um imóvel do Patrimônio Histórico, tombado em 1997?
Como ficaremos, nós os indígenas ocupantes deste espaço?
Sem moradia e sem poder dar assistência aos nossos irmãos que transitam das aldeias pra cá?

Por todos estes aspectos, vimos portanto, através desta, pedir à Excelentíssima Sra. Presidenta da República Sra. Dilma Rousseff, Ministros de Estado, Parlamentares de Estado, Parlamentares de estados e municípios da Cidade do Rio de Janeiro, que nos ajudem a fazer valer o direito de permanecer e dar continuidade ao nosso trabalho no original Museu do Índio, otimizando e revitalizando este centro de referência nacional, em espaço educacional e cultural dos povos originários do Brasil, transformando-o num autêntico ponto de referência cultural da cidade do Rio de Janeiro, possibilitando-nos preservar a cultura e originalidade deste espaço, a fim de afirmarmos a identidade de nosso país, sem discriminação, violência, e com igualdade social e respeito aos antigos donos do país.

Vida longa aos povos indígenas do Brasil!!!

Rio de Janeiro, 19 de setembro de 2011
Atenciosamente, Carlos Tucano
Aldeia Maracanã (Centro Cultural Indígena)

Etnias: Pataxó, Guajajara, Apurinã, Tukano, Guarani, Xukuri-Kariri, Xavante, Tikuna, Tupi Guarani , Fulni-o, Potiguar

Os gangsters imperialistas

Um vídeo, publicado pelo Le Monde, mostra Muammar Kadafi capturado vivo e lichado por seus inimigos. Ele não morreu, portanto, em um bombardeio da OTAN quando fugia em um comboio nem em consequência das feridas recebidas quando o levavam em uma ambulância.

Ele foi simplesmente assassinado para que não fosse levado a nenhum tribunal porque aí poderia contar tudo o que sabia sobre as relações entre seu governo e a CIA, o governo e os serviços de inteligência britânicos, Sarkozy e seus “barbudos”, Berlusconi e a máfia, e poderia também lembrar quem são Jibril e Jalil, principais líderes atuais do Conselho Nacional de Transição e, até bem pouco tempo, seus fieis agentes e servidores.

A lista dos limões espremidos é longa: o panamenho Noriega, agente da CIA convertido em um estorvo, salvou-se do bombardeio ao Panamá que tentava assassiná-lo e jamais foi apresentado em um tribunal legítimo. Saddam Hussein, agentes dos EUA durante a longa guerra de oito anos contra os curdos e contra o Irã, teve sim um processo em um tribunal, mas composto por funcionários dos EUA e carrascos, nada de sua defesa política ganhou repercussão e terminou enforcado de modo infame.

Bin Laden, agente da CIA junto com os talibãs durante toda a guerra contra os soviéticos no Afeganistão e sócio do presidente George Bush na indústria petroleira, foi assassinado desarmado em uma grande operação típica de gangsters e foi lançado ao mar para que não falasse em um processo e para que nem sequer sua tumba pudesse servir como ponto de encontro a todos os que no Paquistão e no Afeganistão repudiam o colonialismo dos criminosos imperialistas.

Agora, os imperialistas franco-anglo-estadunidenses acabam de utilizar a barbárie e o ódio inter-tribal para se livrar de Kadafi que, como prisioneiro, era um perigo para eles. O novo governo líbio que surgirá depois de uma luta feroz entre os diversos clãs e interesses que integram o atual CNT, poderá renegociar assim a relação de forças entre as diferentes regiões e tribos sem o kadafismo e sob a tentativa imperialista de submetê-lo, mas afogou o passado em um banho de sangue e nasce coberto de horror e de infâmia perante o mundo.


Kadafi não será lembrado pelos líbios como um novo Omar Mukhtar, o líder da resistência ao imperialismo italiano enforcado pelos fascistas, porque antes de ser assassinado por seus ex-sócios e servidores também foi responsável por inúmeros crimes e enormes traições. Mas seu linchamento cairá como uma mancha a mais sobre seus executores e sobre os mandantes da turba feroz que o despedaçou aplicando-lhe a pena de morte selvagem que os imperialistas decretam contra seus agentes que precisam despachar.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
  
(*) Professor de Relações Sociais da UNAM ( Universidade Autônoma do México) e colaborador do jornal mexicano La Jornada.

Fonte: Carta Maior

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Acordando do sonho

Em discurso aos manifestantes de Nova York, filósofo esloveno adverte sobre desafios que virão após a catarse política das ocupações

Por Slavoj Žižek | Tradução: Rogério BettoniBlog da Boitempo

Não se apaixonem por si mesmos, nem pelo momento agradável que estamos tendo aqui. Carnavais custam muito pouco – o verdadeiro teste de seu valor é o que permanece no dia seguinte, ou a maneira como nossa vida normal e cotidiana será modificada. Apaixone-se pelo trabalho duro e paciente – somos o início, não o fim. Nossa mensagem básica é: o tabu já foi rompido, não vivemos no melhor mundo possível, temos a permissão e a obrigação de pensar em alternativas. Há um longo caminho pela frente, e em pouco tempo teremos de enfrentar questões realmente difíceis – questões não sobre aquilo que não queremos, mas sobre aquilo que queremos. Qual organização social pode substituir o capitalismo vigente? De quais tipos de líderes nós precisamos? As alternativas do século XX obviamente não servem.

Então não culpe o povo e suas atitudes: o problema não é a corrupção ou a ganância, mas o sistema que nos incita a sermos corruptos. A solução não é o lema “Main Street, not Wall Street”, mas sim mudar o sistema em que a Main Street não funciona sem o Wall Street. Tenham cuidado não só com os inimigos, mas também com falsos amigos que fingem nos apoiar e já fazem de tudo para diluir nosso protesto. Da mesma maneira que compramos café sem cafeína, cerveja sem álcool e sorvete sem gordura, eles tentarão transformar isto aqui em um protesto moral inofensivo. Mas a razão de estarmos reunidos é o fato de já termos tido o bastante de um mundo onde reciclar latas de Coca-Cola, dar alguns dólares para a caridade ou comprar um cappuccino da Starbucks que tem 1% da renda revertida para problemas do Terceiro Mundo é o suficiente para nos fazer sentir bem. Depois de terceirizar o trabalho, depois de terceirizar a tortura, depois que as agências matrimoniais começaram a terceirizar até nossos encontros, é que percebemos que, há muito tempo, também permitimos que nossos engajamentos políticos sejam terceirizados – mas agora nós os queremos de volta.

Dirão que somos “não americanos”. Mas quando fundamentalistas conservadores nos disserem que os Estados Unidos são uma nação cristã, lembrem-se do que é o Cristianismo: o Espírito Santo, a comunidade livre e igualitária de fiéis unidos pelo amor. Nós, aqui, somos o Espírito Santo, enquanto em Wall Street eles são pagãos que adoram falsos ídolos.

Dirão que somos violentos, que nossa linguagem é violenta, referindo-se à ocupação e assim por diante. Sim, somos violentos, mas somente no mesmo sentido em que Mahatma Gandhi foi violento. Somos violentos porque queremos dar um basta no modo como as coisas andam – mas o que significa essa violência puramente simbólica quando comparada à violência necessária para sustentar o funcionamento constante do sistema capitalista global?

Seremos chamados de perdedores – mas os verdadeiros perdedores não estariam lá em Wall Street, os que se safaram com a ajuda de centenas de bilhões do nosso dinheiro? Vocês são chamados de socialistas, mas nos Estados Unidos já existe o socialismo para os ricos. Eles dirão que vocês não respeitam a propriedade privada, mas as especulações de Wall Street que levaram à queda de 2008 foram mais responsáveis pela extinção de propriedades privadas obtidas a duras penas do que se estivéssemos destruindo-as agora, dia e noite – pense nas centenas de casas hipotecadas…

Nós não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que merecidamente entrou em colapso em 1990 – e lembrem-se de que os comunistas que ainda detêm o poder atualmente governam o mais implacável dos capitalismos (na China). O sucesso do capitalismo chinês liderado pelo comunismo é um sinal abominável de que o casamento entre o capitalismo e a democracia está próximo do divórcio. Nós somos comunistas em um sentido apenas: nós nos importamos com os bens comuns – os da natureza, do conhecimento – que estão ameaçados pelo sistema.

Eles dirão que vocês estão sonhando, mas os verdadeiros sonhadores são os que pensam que as coisas podem continuar sendo o que são por um tempo indefinido, assim como ocorre com as mudanças cosméticas. Nós não estamos sonhando; nós acordamos de um sonho que está se transformando em pesadelo. Não estamos destruindo nada; somos apenas testemunhas de como o sistema está gradualmente destruindo a si próprio. Todos nós conhecemos a cena clássica dos desenhos animados: o gato chega à beira do precipício e continua caminhando, ignorando o fato de que não há chão sob suas patas; ele só começa a cair quando olha para baixo e vê o abismo. O que estamos fazendo é simplesmente levar os que estão no poder a olhar para baixo…

Então, a mudança é realmente possível? Hoje, o possível e o impossível são dispostos de maneira estranha. Nos domínios da liberdade pessoal e da tecnologia científica, o impossível está se tornando cada vez mais possível (ou pelo menos é o que nos dizem): “nada é impossível”, podemos ter sexo em suas mais perversas variações; arquivos inteiros de músicas, filmes e seriados de TV estão disponíveis para download; a viagem espacial está à venda para quem tiver dinheiro; podemos melhorar nossas habilidades físicas e psíquicas por meio de intervenções no genoma, e até mesmo realizar o sonho tecnognóstico de atingir a imortalidade transformando nossa identidade em um programa de computador. Por outro lado, no domínio das relações econômicas e sociais, somos bombardeados o tempo todo por um discurso do “você não pode” se envolver em atos políticos coletivos (que necessariamente terminam no terror totalitário), ou aderir ao antigo Estado de bem-estar social (ele nos transforma em não competitivos e leva à crise econômica), ou se isolar do mercado global etc. Quando medidas de austeridade são impostas, dizem-nos repetidas vezes que se trata apenas do que tem de ser feito. Quem sabe não chegou a hora de inverter as coordenadas do que é possível e impossível? Quem sabe não podemos ter mais solidariedade e assistência médica, já que não somos imortais?

Em meados de abril de 2011, a mídia revelou que o governo chinês havia proibido a exibição, em cinemas e na TV, de filmes que falassem de viagens no tempo e histórias paralelas, argumentando que elas trazem frivolidade para questões históricas sérias – até mesmo a fuga fictícia para uma realidade alternativa é considerada perigosa demais. Nós, do mundo Ocidental liberal, não precisamos de uma proibição tão explícita: a ideologia exerce poder material suficiente para evitar que narrativas históricas alternativas sejam interpretadas com o mínimo de seriedade. Para nós é fácil imaginar o fim do mundo – vide os inúmeros filmes apocalípticos –, mas não o fim do capitalismo.

Em uma velha piada da antiga República Democrática Alemã, um trabalhador alemão consegue um emprego na Sibéria; sabendo que todas as suas correspondências serão lidas pelos censores, ele diz para os amigos: “Vamos combinar um código: se vocês receberem uma carta minha escrita com tinta azul, ela é verdadeira; se a tinta for vermelha, é falsa”. Depois de um mês, os amigos receberam a primeira carta, escrita em azul: “Tudo é uma maravilha por aqui: os estoques estão cheios, a comida é abundante, os apartamentos são amplos e aquecidos, os cinemas exibem filmes ocidentais, há mulheres lindas prontas para um romance – a única coisa que não temos é tinta vermelha.” E essa situação, não é a mesma que vivemos até hoje? Temos toda a liberdade que desejamos – a única coisa que falta é a “tinta vermelha”: nós nos “sentimos livres” porque somos desprovidos da linguagem para articular nossa falta de liberdade. O que a falta de tinta vermelha significa é que, hoje, todos os principais termos que usamos para designar o conflito atual – “guerra ao terror”, “democracia e liberdade”, “direitos humanos” etc. etc. – são termos falsos que mistificam nossa percepção da situação em vez de permitir que pensemos nela. Você, que está aqui presente, está dando a todos nós tinta vermelha.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Emprego terceirizado: salário menor e jornada de trabalho maior

Este tipo de contrato atinge 25,5% do mercado formal, o que representa 10,8 milhões de empregados, segundo o estudo

Marli Moreira, Agência Brasil

 Um estudo da Central Única dos Trabalhadores (CUT) mostra que a terceirização de empresas fragilizou a qualidade do emprego no país. O levantamento aponta várias desvantagens na comparação com o emprego direto nas empresas que contrataram essa prestação de serviço. Entre elas, os salários mais baixos e a o cumprimento de jornadas mais longa.

Este tipo de contrato de trabalho atinge 25,5% do mercado formal, o que representa 10,8 milhões de empregados, segundo o estudo. Ele servirá de base para a argumentação do presidente nacional da CUT, Artur Henrique, durante audiência pública sobre a Terceirização e a Mão de Obra, que começa amanhã (3), no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília.

Com base em dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, o levantamento indica que os assalariados terceirizados ganhavam, em dezembro do ano passado, 27,1% menos do que os empregados diretos.

Enquanto nas empresas terceirizadas quase a metade dos contratados (48%) estava nas faixas de um a dois salários mínimos, nas empresas contratantes dos serviços o percentual ficou em 29%. Além disso, a jornada semanal de trabalho nas terceirizadas supera em até três horas a do contrato direto. Se houvesse uma equiparação, alerta o estudo, seriam gerados no país mais 801,3 mil vagas.

A rotatividade também é maior, informa o documento, com 44,9% ante 22% do regime contratual direto. Do total de 42,6 milhões de empregos formais, 10,8 milhões ocorrem por meio da terceirização. Seis estados concentram nível de admitidos acima da média nacional, de 25,5%: São Paulo com 3,6 milhões (29,3%); Minas Gerais com l,l3 milhão (26,%); Rio de Janeiro com l,08 milhão (26,75%) ; Santa Catarina com 535.176 (27,82%) e Ceará com 356.849 (27,38%).


Na estrada da crise

Filme Cruzando as Crises norte-americanas traz a história de jovens que rodaram os EUA em meio às turbulências financeiras

Jefferson Pinheiro, do Coletivo Catarse

Um filme de estrada, sobre um país que se despedaça. Com um carro emprestado, um casal de jovens (ele estadunidense, ela brasileira) percorreu 17 mil quilômetros pelos Estados Unidos, em duas viagens. A primeira, quando estourou a crise de 2008. A segunda, um ano após a eleição de Obama. Os dois se jogaram nas ruas para ouvir o que na rua estavam sentindo, pensando, dizendo e fazendo. Um filme de depoimentos impactantes de gente do povo. Com a palavra: latinos, negros, brancos pobres e indígenas. Um registro documental contundente que desmancha a ideia que temos (ou tínhamos) do país considerado a maior potência mundial. Um lugar que está se quebrando, onde a parte mais vulnerável da sociedade tenta juntar seus cacos. “Somos a cidade mais segregada, com a taxa de crimes mais alta. Detroit é o que é por causa da indústria, do capitalismo e da democracia. Somos o fracasso de tudo isto. É o que nos resta”, lamenta o jovem negro Jon Blount, no começo do filme, sob uma cidade desolada. 

Cruzando as crises norte-americanas é uma colagem de rostos, falas, lugares e situações que dão uma ideia do panorama geral. Sob a aparente segurança da economia mais forte, o caos vai entrando na vida de muita gente. Na tela, a animação gráfica percorre o trajeto no mapa que os diretores fazem nas ruas. De Rosebud a Denver e, depois, a Salt Lake City. E, assim, o território vai sendo visitado, mostrado, escutado, auscultado. Se fundem o olhar de Mike, de dentro, com o olhar de Silvia, de fora.

O documentário também foi dividido em duas partes que se completam. Na primeira, Colapso, a pior crise financeira dos Estados Unidos desde a Grande Depressão é apresentada nas notícias das TVs, jornais e rádios que escancaram o caos e se misturam com as imagens da estrada, pulando de cidade em cidade, estado em estado. Muitas vezes, da janela do carro os olhos da câmera captam paisagens áridas, degradadas, desertas, fantasmagóricas. A crise é ouvida nas falas de desilusão e desesperança, de quem perdeu o trabalho e a crença nos governos.

Na segunda parte, Ação, acompanha o que associações, Ongs, cooperativas e pessoas estão tentando reconstruir, conquistar através de mobilizações, passeatas, manifestações, greves, embates, articulações. É nesta parte que a luta da população vai sendo apresentada pelo que assegura a Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas que não é cumprido: não há saúde, educação, moradia e vida com dignidade para todas, para todos. Cruzando as crises é, essencialmente, um documentário sobre pessoas. E elas estão o tempo todo se sucedendo na tela: trabalhadores, ativistas, desempregados, estudantes, moradores de rua, sindicalistas, professores.

Até onde se pode confundir um governo com seu povo, tanto lá quanto em qualquer lugar? Parece que os estadunidenses estão descobrindo na própria carne, parte da dor que sua pátria já distribuiu em tantas outras geografias. “Não temos uma cultura social, temos uma cultura econômica, que não é sustentável. Talvez, todo este país esteja bêbado, e estamos começando a acordar com as conseqüências. Se a economia entrar em colapso, quem sabe vamos descobrir o valor das relações humanas”, reflete Michael Combs, um senhor de barbas brancas e chapéu furado, cantor de rua, escorado na parede de uma calçada em Santa Fé, Novo México. Antes de tudo, o filme é sobre esta crise de valores alienante, acachapante, que agora sacode os cidadãos. Como em Baltimore, onde trabalhadores mobilizados estão tentando criar uma “zona de direitos humanos”, onde finalmente estes sejam respeitados.

Parece contraditório que o país imperialista, que há décadas liderava sozinho a economia mundial, deixe seus próprios filhos na mão? Não é. Michael Moore nos seus filmes já revelou estas contradições e injustiças, mostrando o quão ridícula é, muitas vezes, sua sociedade e perverso seu sistema econômico, a lógica desse mercado selvagem que move o Estado yankee em declínio.

Agora, que muitas mentiras que alienaram quase uma sociedade inteira desmoronam, vem este golpe na autoestima, na arrogância e na onipotência. Gente que se diz cansada de ser tratada como lixo. Mas refletem os norte-americanos à custa da opressão de quem e em quais lugares conseguiram viver durante tanto tempo em altos níveis econômicos? Para isso não há perguntas nem respostas claras no filme. No entanto, para recuperar sua condição econômica, os mais pobres não miram outras riquezas que não as do próprio país: 10% da população é dona de 70% da riqueza total. Reivindicam redistribuir.

Incluindo-se nos excluídos
Mesmo que não chegue a ser didático, é um filme informativo, militante. Um grito de parte dos estadunidenses se incluindo entre os excluídos do mundo. São 43 milhões de pobres e 47 milhões sem seguro médico, que provavelmente não receberão atendimento se adoecerem. Desde o início da crise, em 2008, oito milhões de pessoas já perderam suas casas, por conta das hipotecas. Atualmente, apenas 53% das crianças negras terminam a escola. Na Califórnia, nos últimos 20 anos foram abertas 24 novas prisões e apenas uma universidade. É uma fábrica de prisões privadas, que serve para ganhar dinheiro com as pessoas que o próprio sistema exclui. Um em cada nove negros está preso nos Estados Unidos. No estado de Nova Iorque, dos encarcerados em seus 70 presídios, 80% são negros e latinos. “Enquanto estão resgatando as instituições financeiras, seguem encerrando comunidades pobres e negras em celas exóticas.

Exigimos liberdade para respirar!”, se impõe uma garota num parque em Oakland, enquanto alguns estudos falam na volta da escravidão.

“Resgataram os bancos! E nos venderam!”, denunciam os cartazes numa manifestação. “Não podem usar nosso dinheiro para nos oprimir”, alguém fala ao microfone. Passadas a euforia e a esperança no governo de Obama, a população tem a sensação de “mais do mesmo”. Para o casal que dirigiu o filme, a classe trabalhadora, os pobres e as minorias estão piores do que nunca e a indignação diante da crise econômica desastrosa é resultado de um caos gerado por um sistema de desigualdades. “As soluções não vão vir desde cima. As soluções para cruzar as crises estadunidenses estão nas mãos do povo”, constatam Mike e Silvia, diante da própria câmera. É o que enxerga também o líder comunitário Manuel Criollo: “É o povo que sustenta esse sistema”, lembrando que as pessoas organizadas podem ser as protagonistas das mudanças.

Não é uma tarefa simples a de colocar tanta gente e tantas situações para compor este outro retrato dos Estados Unidos e seu povo, mas por fim, é mesmo esta diversidade fragmentada que nos dá a oportunidade de compreender parte do que se passa por lá. E pensar nos erros que outras nações podem cometer, quando têm este país como referência. Em Porto Alegre, quando a produção foi exibida em junho, Alexandro, um cubano que passava por intercâmbio na cidade, repetia após a sessão que o filme precisava ser visto em Cuba, por todos. Desfazer mitos. Colocar a verdade no seu lugar. Por aqui também.

Num viaduto da capital gaúcha, há muitos anos se renova uma inscrição lembrando um pensamento de Mao: “O imperialismo é um tigre de papel”. Sempre achei esta frase um tanto ingênua, muito mais um desejo do que realidade. Mas este filme nos mostra sua fragilidade latente. Neste momento em que há tantas revoltas populares em ebulição e o capitalismo parece entrar novamente numa encruzilhada, mesmo que não seja de papel, o império outra vez expõe seus rasgos, dá sinais de que um dia pode e deve se desmanchar.

Fonte Brasil de Fato

sábado, 1 de outubro de 2011

Verde e laranja, cores de um mesmo borrão

O texto abaixo foi publicado alguns dias antes do assassinato de Benoni Alencar no último dia 27 de setembro em sua residência em Rio das Ostras.

Por BENONI ALENCAR
Um grupo de participantes do “Encontro Fé e Política”, realizado em Rio das Ostras, em 20 de agosto, no salão paroquial, acompanhou o palestrante Chico Alencar, deputado federal pelo PSOL-RJ, para uma conversa sobre o partido,  que se realizaria no polo riostrense da UFF (Puro), numa iniciativa do Núcleo Serramar, que organiza o próprio PSOL no município. Ali, nos comentários sobre a situação política em Rio das Ostras, ouvi pela primeira vez a expressão “verdes e laranjas”, para designar a dicotomia  eleitoral existente na cidade. Os verdes, personificados pelo ex-prefeito e, hoje, deputado Alcebíades Sabino; os laranjas, pelo atual prefeito Carlos Augusto Baltazar. Um participante resumiu o sentimento  geral com esta frase: “As duas cores, só na aparência, representam políticas distintas. Ambas são faces de uma mesma moeda – a moeda dos grupos econômicos que estão por trás deles e que financiam suas campanhas eleitorais”.

Calado encontrava-me,  calado fiquei  — queria mais ouvir do que falar. Mas, em casa, arrependi-me dessa posição, e resolvi escrever sobre o que sei dessa curiosa situação de Rio das Ostras. E, de cara, dou razão aos participantes do encontro com Chico Alencar — Sabino e Carlos Augusto são farinha do mesmo saco. Pois se apoiam nos mesmos grupos econômicos, e governam com os mesmos métodos e o mesmo modelo. Mas vamos aos fatos. Carlos Augusto só pôde ser alçado à categoria de grande cacique municipal  porque teve o apoio de Sabino para ser  seu  sucessor, em 2004. O chefe do PMDB, na eleição anterior, em que Sabino obteve o segundo mandato, pretendeu, sim, disputar a Prefeitura. Mas, como me disse numa conversa em que eu me achava no papel de repórter da “Folha dos Municípios”, não iria se aventurar por causa do “custo muito alto da campanha”.  Assim,só viria a se candidatar quatro anos depois, quando selou a paz com Sabino, unificando as fontes financiadoras da política de Rio das Ostras.  Nas eleição seguinte, dividiram-se – dividindo também as fontes financiadoras. Carlos Augusto levou a melhor.

O próprio Sabino – e é isso que quero contar – só chegaria à condição de chefão da política riostrense por causa de uma briga entre o primeiro prefeito municipal, Cláudio Ribeiro, e os financiadores da política local.  O hoje deputado  contou-me a longa história, na presença de um amigo dele de infância, o médico Cláudio Alencar do Rego Barros.  Vou procurar resumi-la. Cláudio Ribeiro, comerciante do ramo de marmoraria e vereador à Câmara de Casimiro de Abreu, disputou a eleição do município recém-emancipado — tendo como adversários o também vereador Gélson Apicelo, segundo mais votado, e o então bancário magricela Alcebíades Sabino, terceiro.

Na metade do mandado, quando se achava com a popularidade mais baixa que rabo de cobra, Cláudio Ribeiro chamou Sabino ao seu gabinete de prefeito, e lhe disse que iria iniciar uma nova etapa do mandado, necessitando do seu apoio. Revela, então, que rompera com os que haviam financiado sua eleição, dirigindo-lhes estas palavras: “Vocês já roubaram o suficiente; agora é minha hora de  atender meus compromissos com os eleitores, governando para a cidade”. Ou seja, Cláudio  colocava  ponto final na roubalheira que permitira até ali, e agora queria recuperar o respeito do povo — que o tratava carinhosamente de “Coronel”, retribuição a um tratamento que Cláudio, homem comunicativo e cheio de energia, contanto pouco mais de 40 anos, dispensava a todos que se acercavam dele. Olhou duramente os  olhos de Sabino, e segredou-lhe, em voz  reveladora de medo. “Esses homens são capazes de tudo, até de me matar. Por isso escolhi você para me apoiar, com seu grupo”.

Assassinado menos de dois meses depois, Cláudio Ribeiro expôs o seguinte plano. Desembaraçado dos sugadores do magro Orçamento municipal (não havia ainda o pote de ouro dos royalties do petróleo), recuperaria a popularidade, e apoiaria Sabino na sucessão (também não havia ainda a reeleição). Sabino, em contrapartida, deveria dar-lhe suporte na guerra “política” que eclodiria na cidade a partir daquele rompimento . Cético quando à possibilidade de Cláudio dar a volta por cima na sua impopularidade, Sabino prometeu  dar resposta depois e pôs uma pedra sobre o assunto.  Agoniado com a enrascada em que estava metido, Cláudio Ribeiro decidiu pôr o carro adiante dos bois, fazendo publicar nos jornais municipais, que controlova por meio das subvenções que dispensava à imprensa, a seguinte manchete: “Sabino é o candidato de Cláudio à sua sucessão”.

Sabino tremeu quando viu impressa aquela ameaça, no alto da  página. Lastimou com seus botões a leviandade de Cláúdio, que não esperara sua resposta – que seria negativa. Coronel, àquela altura da sua infeliz administração,  não tinha prestígio para eleger sequer um vereadorzinho pescado em sobra de legenda. Imagine-se fazer o sucessor.  Enquanto o magricela bancário digeria fel com que Cláudio o “mimava”, remoendo formas de minimizar os estragos que aquilo causava aos seus planos eleitorais, explode a bomba. Dois pistoleiros de aluguel, vindos do Rio, contratados pelos que Cláudio frustrara com sua decisão de acabar com a roubalheira,  mataram-no com vários tiros nas costas, no seu sítio em Vila Verde, em pleno meio dia .

Eu ainda morava em Niterói, e havia passado em Rio das Ostras um dos adoráveis fins-de semana que costumava desfrutar aqui, no verão, quando me deparei com a nota do assassinato de Cláudio Ribeiro na minha mesa de redator do “Jornal do Commercio”, do Rio, cabendo-me editar a notícia. FiSabino seria confirmado, pela viúva de Cláudio,  como o escolhido dele para a sucessão, e logrou eleger-se, derrotando o então favorito Gélson Apicelo, do PDT. Detalhe: a vice de Coronel, que completaria seu mandato, era também do PDT.

A história dessa tragédia, que relembro  ainda com emoção, mostra como a política de Rio das Ostras é governada pelos financiadores de campanha, que recuperam o capital investido, multiplicado várias vezes,  com os contratos que celebram com a Prefeitura durante o mandato do pupilo eleito. Contratos  — ou votos para deputado na eleição seguinte, como é o caso do deputado federal Alexandre Santos, do PSDB,  apoiado por Sabino desde o primeiro mandato; apoio mantido com Carlos Augusto.

E este é o motivo, a meu ver, pelo qual nunca  a política em Rio das Ostras se renova. Numa eleição sobem os verdes; na outra, os laranjas.  Por detrás, sem visibilidade clara para os eleitores, os que nunca perdem eleição — os financiadores doublés de contratantes da Prefeitura, ou de deputados  “benfeitores do município”, na expressão com que os prefeitos (laranja ou verdes) os apresentam à população. O campeão, até agora, é Alexandre Santos.
  
Benoni foi integrante do Núcleo Serramar do PSOL, jornalista e técnico judiciário.