quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Na Índia, trabalhadores domésticos precisam ser mais respeitados

Por Nilanjana S. Roy
Anju Sengupta nunca ouviu falar da Convenção para os Trabalhadores Domésticos da Organização Internacional do Trabalho, e ela tampouco sabia que a Índia foi um dos países que votou favoravelmente à convenção no mês passado, em Genebra.

Mas Sengupta, que tem 46 anos de idade e que trabalhou durante mais de 30 desses anos como empregada doméstica em várias casas, não tem nenhuma dificuldade em entender as questões envolvidas.

“Como essa é uma tarefa feminina que envolve as atividades mais penosas feitas nas casas de família, o nosso trabalho não é levado a sério – apesar de que, sem nós, as pessoas não seriam capazes de administrar as suas vidas”, diz ela. “Mas, ao contrário do que ocorre no escritório, onde há normas definidas, em cada casa que eu trabalhei havia uma ideia diferente a respeito de quanto eu deveria receber, de quanto tempo eu trabalharia e até da quantidade de açúcar que eu poderia colocar no meu chá. Talvez as pessoas não venham a seguir as leis imediatamente, mas se forem instituídas legislações para a proteção de trabalhadores como eu, as pessoas poderão pensar duas vezes antes de nos maltratarem tanto”.

O clichê mais ouvido na Índia é que os trabalhadores domésticos fazem parte da família, algo que oculta as histórias deprimentes de baixa remuneração e de abuso físico cometidos contra esses trabalhadores. Um estudo feito em 2005 pela Comissão Nacional de Direitos Humanos e um outro de 2008 conduzido pelo Jagori, um grupo de apoio às mulheres, documentaram como esse setor do mercado de trabalho indiano é especialmente vulnerável ao tráfico, à exploração financeira e sexual e ao confinamento forçado.

A Organização Internacional do Trabalho estima que haja pelo menos 4,75 milhões de trabalhadores domésticos empregados em domicílios particulares na Índia, dos quais 3,4 milhões, ou cerca de 72%, são mulheres. Até alguns anos atrás, os trabalhadores domésticos na Índia tinham poucos direitos e estavam muito mal organizados. Para alguns, essa sensação de impotência ainda é forte.

Gita, que trabalha como empregada doméstica em Gurgaon, ecoou a frustração de muitos ao afirmar: “O governo ordenará à minha patroa que me conceda um dia de folga por semana e que me dê um aumento de salário? Faço essa pergunta por que se eu pedir isso a ela, serei despedida”. Pelo mesmo motivo, ela não quis fornecer o seu nome completo para publicação nesta matéria.

A jornada diária de trabalho de Gita, que varia entre dez e quinze horas, lhe rende 5.800 rupias, ou menos de US$ 130, por mês.

Outras pessoas na Índia estão mais conscientes das mudanças nas leis, um fenômeno que pode ser paralelo ao desconforto crescente entre os membros da classe média com a maneira, muitas vezes feudal, como os trabalhadores domésticos são historicamente tratados neste país.

A irmã Jeanne Devos, uma freira católica nascida na Bélgica e que é coordenadora nacional do Movimento Nacional dos Trabalhadores Domésticos, monitora a situação desses trabalhadores desde meados da década de oitenta.

“A situação está mudando rapidamente, e nos últimos cinco anos eu tenho presenciado um grande avanço”, diz a irmã Jeanne. Sete Estados indianos aprovaram leis que fazem com que os trabalhadores domésticos sejam cobertos pela Lei de Salário Mínimo, um reconhecimento pequeno, mas significativo, dos direitos básicos. Benefícios da previdência social estarão disponíveis pela primeira vez em breve, e o governo anunciará a cobertura de saúde para os trabalhadores domésticos e três familiares. E a irmã Jeanne, assim como muitos outros ativistas nesta área, espera que as normas estabelecidas pela convenção da Organização Internacional do Trabalho sejam aceitas pelos Estados indianos, mesmo que demore alguns anos até que o governo federal ratifique a convenção.

Uma das questões mais polêmicas para os trabalhadores domésticos na Índia é aquela referente à segurança no local de trabalho. Uma lei pioneira de 2010 que coíbe o assédio sexual no local de trabalho foi criticada por excluir os trabalhadores domésticos. A justificativa apresentada pelos redatores da lei é que seria difícil fiscalizar domicílios particulares.

“A força tarefa do Ministério do Trabalho está cogitando emendas à lei do assédio sexual”, diz a irmã Jeanne. “Se uma casa é definida como sendo um espaço privado, o empregador não deveria contratar uma pessoa de fora como funcionário. Isso é algo que começa pelo nome – trabalhador doméstico. Ele é uma identidade que permite aos trabalhadores ver dignidade no seu trabalho, fazer comparações com aeromoças, enxergar o valor do trabalho que fazem, não importando se esse trabalho seja cuidar de crianças ou de pessoas idosas”.

Reiko Tsushima, especialista em igualdade entre os sexos e questões relativas a mulheres trabalhadoras da Organização Internacional do Trabalho, tem uma visão mais complexa dessa questão. “O trabalho doméstico é muitas vezes considerado uma extensão do trabalho feminino, e é preciso que haja um consenso quanto à ideia de que a casa é também um local de trabalho”, diz ela. “Se todos os Estados indianos aceitarem a recomendação do Ministério do Trabalho de que os trabalhadores domésticos sejam cobertos pela Lei do Salário Mínimo em todo o país, isso frisará que a casa é um local de trabalho”.

“Os últimos cinco anos foram de muito entusiasmo”, diz ela. “A nossa esperança é que os trabalhadores domésticos possam ser cobertos por essa nova política e pelos avanços legislativos, e que a ideia de que eles têm direitos seja aceita. Uma parte significativa do trabalho legislativo até o momento tem se concentrado na questão da previdência social, mas está havendo um deslocamento em direção aos direitos e à regulamentação das condições de trabalho”.

Uma das vozes mais fortes em meio aos trabalhadores domésticos é a de Baby Haldar, cujas memórias, “A Life Less Ordinary” (“Uma Vida Menos Ordinária”), foram publicadas em 2002. Haldar, 37, está concluindo uma continuação do seu primeiro livro e continua trabalhando como empregada doméstica na casa de um professor que ela considera um mentor e amigo.

“É preciso haver uma mudança”, diz ela. “Eu sou tratada com respeito, mas muitas outras mulheres não são. Os tribunais e o governo criam muitas, muitas leis. Mas o que eles precisam realmente fazer é reconhecer que o trabalho que nós realizamos nas casas é importante”.

Nas suas memórias, Haldar escreveu sobre as casas nas quais trabalhou antes de encontrar o seu atual patrão, onde a dignidade e os diretos que ela achava que merecia – boas condições de trabalho, folga – lhes eram negados, assim como ocorre frequentemente com os trabalhadores domésticos na Índia.

“Algumas pessoas entendem que nós estamos cuidando das coisas mais preciosas das suas vidas – as suas casas, os seus filhos, os seus pais... a paz de espírito dessas pessoas está nas nossas mãos”, explica ela. “Essa atitude por parte dos empregadores precisa se disseminar. Mudar a lei é algo de positivo, mas a mudança real que nós desejamos só terá início com respeito”.

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