Na capital, Damasco, jovens fazem protestos rápidos e localizados, marcados pela internet, para fugir da repressão
Regras incluem nunca andar em grupos com mais de 3 pessoas e comunicar local apenas uma hora antes do ato
Por Marcel Ninio
Mulher síria que vive na Jordânia mostra as mãos onde se lê "[cidade de] Hama sangra" |
A comunicação baseia-se em olhares e gestos cuidadosos. Dois ativistas comandam a operação em uma tentativa de surpreender o regime, numa área considerada porto seguro do governo.
Mas a cinco minutos do horário pretendido, um gesto brusco do recém-formado em engenharia da computação Ahmad, 22 (nome fictício, assim como todos nesse texto), indica que não há contingente para levar o plano à frente.
E da mesma maneira que apareceram, os cerca de 40 jovens se dispersam para a próxima tentativa. A forte repressão do governo obrigou os ativistas damascenos a reinventar suas estratégias.
"Se não estamos conseguindo protestar nas sextas-feiras por causa da segurança, se não podemos organizar manifestações pela internet porque estão nos vigiando, decidimos tentar algo no estilo das 'flash mob', em dias e horários que eles não esperam", conta.
Um jornalista local que colaborou com a Folha nesta reportagem e pediu para não ser identificado enumera as precauções, passadas na base do boca a boca: nunca andar em grupos com mais de três pessoas, só comunicar o local pessoalmente e uma hora antes, não protestar em menos de 50 pessoas e não permanecer no local por mais de cinco minutos.
"Quando não seguimos esses passos, fomos massacrados pelos shabihas [força de segurança paralela]", explica o ativista Dishad, 21. "Mas agora está funcionando bem", comemora.
As regras são criadas na base de tentativa e erro. Duas semanas antes, um grupo com 30 integrantes protestou com faixas e cartazes na turística avenida Al Qeimarie, no coração de Damasco, ao lado da mesquita Umayyad e do mercado Hamidye, o maior da cidade.
Em menos de três minutos, agentes de segurança irromperam no local agredindo os manifestantes com cadeiras, cassetetes, pedaços de madeira e outros objetos improvisados de armas.
"Eles já sabiam do protesto, as informações vazaram no Facebook. Quase todos foram presos, apanharam muito, inclusive as meninas que estavam junto", conta Dishad, um dos poucos que conseguiram escapar ilesos da manifestação.
ESCRITÓRIOS SECRETOS
A relação entre os ativistas é quase tão efêmera quanto os protestos. Murad, que conheceu Ahmad e o apresentou a Mohammed, já trocou de número três vezes nas últimas semanas e está atuando em outra região.
A prisão de um outro ativista, Rashad, preocupa a todos porque ele pode acabar delatando os demais, sob coerção ou tortura.
"Quando você começa a criar uma amizade de verdade, depois de duas ou três semanas passando juntos pelas situações mais apavorantes é hora de se afastar", diz um ativista. "Mas temos que pensar no objetivo de todos, derrubar essa ditadura."
Desde o início dos protestos, ativistas tentam se organizar por meio de escritórios secretos em todo o país.
Eles são montados por colaboradores com maiores possibilidades financeiras ou de captação de recursos e oferecem estrutura de telefone, internet, além de espaço físico para reuniões.
Com seis meses de revolução, diversos comitês locais foram montados pelo país, e há um intercâmbio de informação permanente.
As ações realizadas vão da elaboração de listas com nomes e fotos de manifestantes mortos pelo governo ao suporte para organização de protestos, passando pelo fornecimento de softwares de navegação anônima e contato com lideranças oposicionistas dentro e fora do país.
Fonte: Folha de São Paulo
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