terça-feira, 15 de novembro de 2011

Pensar a USP

Vladimir Safatle

As reações ao que ocorreu na USP demonstram como, muitas vezes, é difícil ter uma discussão honesta e sem ressentimentos a respeito do destino de nossa maior universidade. Se quisermos pensar o que está acontecendo, teremos que abandonar certas explicações simplesmente falsas.

Primeiro, que o epicentro da revolta dos estudantes seja a FFLCH, isto não se explica pelo fato de a referida faculdade estar pretensamente "em decadência". Os que escreveram isso são os mesmos que gostam de avaliar universidades por rankings internacionais.

Mas, vejam que engraçado, segundo a QS World University Ranking, os Departamentos de Filosofia e de Sociologia da USP estão entre os cem melhores do mundo, isso enquanto a própria universidade ocupa o 169º lugar. Ou seja, se a USP fosse como dois dos principais departamentos da FFLCH, ela seria muito mais bem avaliada.

Segundo, não foram alunos "ricos, mimados e sem limites" que provocaram os atos. Entre as faculdad es da USP, a FFLCH tem o maior percentual de alunos vindos de escola pública e de classes desfavorecidas. Isso explica muita coisa.

Para alunos que vieram de Higienópolis, a PM pode até significar segurança, mas aqueles que vieram da base da pirâmide social têm uma visão menos edulcorada.

Eles conhecem bem a violência policial de uma instituição corroída por milícias e moralmente deteriorada por ser a única polícia na América Latina que tortura mais do que na época da ditadura militar.

Não há nada estranho no fato de eles rirem daqueles que gritam que a PM é o esteio do Estado de Direito. Não é isso o que eles percebem nos bairros periféricos de onde vieram.

Terceiro, a revolta dos estudantes nada tem a ver com o desejo de fumar maconha livremente no campus. A descriminalização da maconha nunca foi uma pauta do movimento estudantil.

Infelizmente, o incidente envolvendo três estudantes com um cigarro de maconha foi a faísca q ue expôs um profundo sentimento de não serem ouvidos pela reitoria em questões fundamentais. Era o que estava realmente em jogo. Até porque, sejamos claros, mesmo se a maconha fosse descriminalizada, ela não deveria ser tolerada em ambientes universitários, assim como não se tolera a venda de bebidas alcoólicas em vários campi.

Quando ocorreu a morte de um aluno da FEA, vários grupos de estudantes insistiram que a vinda da PM seria uma máscara para encobrir problemas sérios na segurança do campus, como a iluminação deficiente, a parca quantidade de ônibus noturnos, a concentração das moradias estudantis em só uma área e a falta de investimentos na guarda universitária. Isso talvez explique porque 57% dos alunos dizem que a presença da PM não modificou em nada a sensação de segurança.

Vladimir Pinheiro Safatle
Possui graduação em filosofia pela Universidade de São Paulo (1994), graduação em Comunicação social pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (1994), mestrado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Lieux et transformations de la philosophie - Université de Paris VIII (2002). Atualmente é Professor Livre Docente do departamento de filosofia da Universidade de São Paulo. Foi professor visitante das Universidades de Paris VII , Paris VIII, Toulouse e Louvain, além de responsável de seminário no Collège International de Philosophie (Paris). Desenvolve pesquisas nas áreas de: epistemologia da psicanálise e da psicologia, desdobramentos da tradição dialética hegeliana na filosofia do século XX e filosofia da música. É um dos coordenadores da International Society of Psychoanalysis and Philosophy.
  

sábado, 29 de outubro de 2011

Aumenta pressão social contra projeto que altera Código Florestal

Articulação social através de Comitês em Defesa da Floresta cresce, assim como manifestações de cientistas, juízes, artistas e intelectuais

Vinicius Mansur
  
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) encaminharam aos senadores, em 11 de outubro, um documento solicitando alterações no Projeto de Lei da Câmara (PLC) 30/2011, que reforma o Código Florestal. O texto afirma que “o Senado Federal tem o importante papel de corrigir os equívocos verificados na votação da matéria na Câmara dos Deputados” e alega inconstitucionalidades e a falta de justificativas científicas em algumas mudanças previstas no projeto atual. 

A Associação dos Juízes para a Democracia (AJD), também na semana passada, reforçou o coro dos cientistas e disse, por meio de nota à imprensa, “não ao PLC 30/2011, por sua patente inconstitucionalidade material, à luz dos dados científicos desvelados”. A AJD pediu ao Senado que, pelo menos, conceda à ciência o prazo solicitado, de no mínimo de dois anos, para a elaboração de estudos técnicos de impactos ambientais, antes de qualquer alteração do Código. 

Semana passada foi a vez de célebres nomes brasileiros do cinema, da TV, da academia e da moda emitirem sua opinião, na TV e na internet, através de uma série de depoimentos intitulados “Mensagem aberta aos senadores e aos brasileiros”, sob a coordenação do cineasta Fernando Meirelles. Estão na lista Gisele Bündchen, Rodrigo Santoro, Wagner Moura, Regina Casé, Denise Fraga, Marcos Palmeira, Gero Camilo, Fernanda Torres, Felipe Camargo, Ricardo Abramovay, José Eli da Veiga, entre outros. Trechos destes depoimentos já estão circulando na web e na TV, mas, na sexta-feira (21) todos eles já estavam disponíveis na internet para livre circulação. 

Comitês 
Por outro lado, a organização da sociedade civil está sendo fomentada pelo Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, que reúne mais de 200 entidades estudantis, religiosas, sindicais, ONGs e movimentos sociais. “Estamos em fase de expandir o enraizamento desta articulação”, afirmou o secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz, Pedro Gontijo. 

Até agora já foram fundados os comitês do Distrito Federal, Curitiba, São Paulo, São Carlos (SP), Rio de Janeiro, Ceará e Minas Gerais. Este último foi lançado em Belo Horizonte no dia 17 de outubro, com a presença de Marina Silva, lotando o auditório da PUC Minas. Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul tem o lançamento de seus comitê previstos para os dias 24 de outubro, 10 e 21 de novembro, respectivamente. Mato Grosso e Piauí também lançarão seus comitês, mas as datas ainda não estão estabelecidas. 

“O Senado deve perceber o aumento da pressão social contra alterações no Código Florestal. A sociedade está atenta e se organizando contra os ataques à legislação ambiental”, pontuou Gontijo.


sábado, 22 de outubro de 2011

Nós, os indígenas do Brasil,



Excelentíssima Senhora Presidenta da República,

Nós, os indígenas do Brasil, sempre estivemos à margem da sociedade brasileira, apesar de um dia termos sido donos desta terra, desde as colonizações vimos lutando e reivindicando por nossos direitos a terra, assim como, pela educação e saúde, pelos direitos de ir e vir e o de nos manifestarmos por meio de nossa rica cultura, para que pudéssemos viver com dignidade, como seres humanos e acima de tudo, como cidadãos legítimos deste país.

Sempre que chegamos às grandes cidades, como Manaus, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, dentre outras, enfrentamos grandes dificuldades para nossa sobrevivência, pois a discriminação é visível e nos impede de competirmos como os outros cidadãos no mercado de trabalho. Não há espaço para todos os 35.000 indígenas, que atualmente vivem aqui no Rio de Janeiro.

No dia 20 de outubro de 2006, indígenas de diversas etnias como: Pataxó, Guajajara, Apurinã, Tukano, Guarani, Xukuri-Kariri, Xavante, Tikuna, Tupi Guarani, Fulni-o ,Potiguar decidimos zelar pelo espaço do original Museu do Índio, localizado à Rua Mata Machado, nº 126, cujo acesso atual é feito pela Av. Radial Oeste, em frente ao Estádio Mário Filho (Maracanã), no Rio de Janeiro, o qual se encontra em total estado de deterioração e abandono desde 1977. Ressaltamos que até a data da nossa decisão, o casarão era moradia de mendigos e esconderijo de marginais de toda espécie.

Desde então, este local transformou-se; além de nossa moradia em um centro cultural (www.centroculturalindigena.jimdo.com) onde desenvolvemos trabalhos educacionais e sociais, inclusive com projetos aprovados por diversos órgãos, divulgando à sociedade brasileira, a nossa verdadeira cultura indígena, como a nossa arte, hábitos, culinária, crenças, cantos, danças, grafismos, e toda a oralidade ainda em uso em nossas florestas, sem intermediários. Todo este trabalho visa alcançar os seguintes objetivos:

- Mobilizar a sociedade brasileira ao respeito e apoio aos nativos deste país;

-Fortalecer a educação nacional, erradicando estereótipos e eliminando preconceitos;

-Fazer valer a Lei 11645/08 promulgada no Governo do Presidente Lula que torna obrigatório o ensino da história e cultura indígena nos currículos escolares;

-Divulgar o conhecimento da medicina ancestral, costumes, esportes, etnografia, rituais, dentre outros;

-Integrar harmoniosamente indígenas e sociedade sem perdas de culturas e valores;

- Apoiar a formação universitária de profissionais para melhor assistir às suas aldeias.

Temos muita convicção de que este casarão é o espaço mais adequado de referência e assistência aos povos originários, no Rio de Janeiro, pois além de estarmos desenvolvendo nele um maravilhoso trabalho, sabemos de sua importância como marco da museografia e sua enorme influência nacional e internacional, bem como do seu tombamento em 1997. Também neste local, residiu o Marechal Cândido Rondon, fundador do Serviço de Proteção Indígena (SPI), serviço este que deu origem a FUNAI. Por outro lado, estando localizado junto ao Estádio Mário Filho (Maracanã), ponto de destaque da malha urbana do bairro Maracanã, referência arquitetônica para a cidade, este casarão após reforma poderá tornar-se em importante pólo revitalizador para esta região.

Portanto a nossa expectativa e desejo são pelo reconhecimento da grandiosidade do trabalho que vem sendo realizado e da valorização deste patrimônio histórico sob a forma de reforma do casarão que se encontra em ruínas. Com isso, obteremos a estrutura adequada ao prosseguimento dos nossos projetos culturais e educacionais e poderemos continuar apoiando os indígenas urbanos e os em trânsito de suas aldeias que estudam e sobrevivem na cidade do Rio de Janeiro, que não contam aqui com o apoio da FUNAI.

Atualmente, nos encontramos muito apreensivos com as obras de adequação do Estádio Mário Filho (Maracanã) para atender aos jogos da Copa do Mundo em 2014, e pela especulação imobiliária do entorno que vem sendo constantemente ventilada na imprensa, sentindo-nos pressionados e preocupados em sermos expulsos do referido casarão a qualquer momento, pois sabemos que existe uma grande expectativa dos organizadores e patrocinadores do evento da Copa em demolí-lo, e transformá-lo em estacionamento ou shopping.
Perguntamos:
Como pode ser demolido um imóvel do Patrimônio Histórico, tombado em 1997?
Como ficaremos, nós os indígenas ocupantes deste espaço?
Sem moradia e sem poder dar assistência aos nossos irmãos que transitam das aldeias pra cá?

Por todos estes aspectos, vimos portanto, através desta, pedir à Excelentíssima Sra. Presidenta da República Sra. Dilma Rousseff, Ministros de Estado, Parlamentares de Estado, Parlamentares de estados e municípios da Cidade do Rio de Janeiro, que nos ajudem a fazer valer o direito de permanecer e dar continuidade ao nosso trabalho no original Museu do Índio, otimizando e revitalizando este centro de referência nacional, em espaço educacional e cultural dos povos originários do Brasil, transformando-o num autêntico ponto de referência cultural da cidade do Rio de Janeiro, possibilitando-nos preservar a cultura e originalidade deste espaço, a fim de afirmarmos a identidade de nosso país, sem discriminação, violência, e com igualdade social e respeito aos antigos donos do país.

Vida longa aos povos indígenas do Brasil!!!

Rio de Janeiro, 19 de setembro de 2011
Atenciosamente, Carlos Tucano
Aldeia Maracanã (Centro Cultural Indígena)

Etnias: Pataxó, Guajajara, Apurinã, Tukano, Guarani, Xukuri-Kariri, Xavante, Tikuna, Tupi Guarani , Fulni-o, Potiguar

Os gangsters imperialistas

Um vídeo, publicado pelo Le Monde, mostra Muammar Kadafi capturado vivo e lichado por seus inimigos. Ele não morreu, portanto, em um bombardeio da OTAN quando fugia em um comboio nem em consequência das feridas recebidas quando o levavam em uma ambulância.

Ele foi simplesmente assassinado para que não fosse levado a nenhum tribunal porque aí poderia contar tudo o que sabia sobre as relações entre seu governo e a CIA, o governo e os serviços de inteligência britânicos, Sarkozy e seus “barbudos”, Berlusconi e a máfia, e poderia também lembrar quem são Jibril e Jalil, principais líderes atuais do Conselho Nacional de Transição e, até bem pouco tempo, seus fieis agentes e servidores.

A lista dos limões espremidos é longa: o panamenho Noriega, agente da CIA convertido em um estorvo, salvou-se do bombardeio ao Panamá que tentava assassiná-lo e jamais foi apresentado em um tribunal legítimo. Saddam Hussein, agentes dos EUA durante a longa guerra de oito anos contra os curdos e contra o Irã, teve sim um processo em um tribunal, mas composto por funcionários dos EUA e carrascos, nada de sua defesa política ganhou repercussão e terminou enforcado de modo infame.

Bin Laden, agente da CIA junto com os talibãs durante toda a guerra contra os soviéticos no Afeganistão e sócio do presidente George Bush na indústria petroleira, foi assassinado desarmado em uma grande operação típica de gangsters e foi lançado ao mar para que não falasse em um processo e para que nem sequer sua tumba pudesse servir como ponto de encontro a todos os que no Paquistão e no Afeganistão repudiam o colonialismo dos criminosos imperialistas.

Agora, os imperialistas franco-anglo-estadunidenses acabam de utilizar a barbárie e o ódio inter-tribal para se livrar de Kadafi que, como prisioneiro, era um perigo para eles. O novo governo líbio que surgirá depois de uma luta feroz entre os diversos clãs e interesses que integram o atual CNT, poderá renegociar assim a relação de forças entre as diferentes regiões e tribos sem o kadafismo e sob a tentativa imperialista de submetê-lo, mas afogou o passado em um banho de sangue e nasce coberto de horror e de infâmia perante o mundo.


Kadafi não será lembrado pelos líbios como um novo Omar Mukhtar, o líder da resistência ao imperialismo italiano enforcado pelos fascistas, porque antes de ser assassinado por seus ex-sócios e servidores também foi responsável por inúmeros crimes e enormes traições. Mas seu linchamento cairá como uma mancha a mais sobre seus executores e sobre os mandantes da turba feroz que o despedaçou aplicando-lhe a pena de morte selvagem que os imperialistas decretam contra seus agentes que precisam despachar.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
  
(*) Professor de Relações Sociais da UNAM ( Universidade Autônoma do México) e colaborador do jornal mexicano La Jornada.

Fonte: Carta Maior

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Acordando do sonho

Em discurso aos manifestantes de Nova York, filósofo esloveno adverte sobre desafios que virão após a catarse política das ocupações

Por Slavoj Žižek | Tradução: Rogério BettoniBlog da Boitempo

Não se apaixonem por si mesmos, nem pelo momento agradável que estamos tendo aqui. Carnavais custam muito pouco – o verdadeiro teste de seu valor é o que permanece no dia seguinte, ou a maneira como nossa vida normal e cotidiana será modificada. Apaixone-se pelo trabalho duro e paciente – somos o início, não o fim. Nossa mensagem básica é: o tabu já foi rompido, não vivemos no melhor mundo possível, temos a permissão e a obrigação de pensar em alternativas. Há um longo caminho pela frente, e em pouco tempo teremos de enfrentar questões realmente difíceis – questões não sobre aquilo que não queremos, mas sobre aquilo que queremos. Qual organização social pode substituir o capitalismo vigente? De quais tipos de líderes nós precisamos? As alternativas do século XX obviamente não servem.

Então não culpe o povo e suas atitudes: o problema não é a corrupção ou a ganância, mas o sistema que nos incita a sermos corruptos. A solução não é o lema “Main Street, not Wall Street”, mas sim mudar o sistema em que a Main Street não funciona sem o Wall Street. Tenham cuidado não só com os inimigos, mas também com falsos amigos que fingem nos apoiar e já fazem de tudo para diluir nosso protesto. Da mesma maneira que compramos café sem cafeína, cerveja sem álcool e sorvete sem gordura, eles tentarão transformar isto aqui em um protesto moral inofensivo. Mas a razão de estarmos reunidos é o fato de já termos tido o bastante de um mundo onde reciclar latas de Coca-Cola, dar alguns dólares para a caridade ou comprar um cappuccino da Starbucks que tem 1% da renda revertida para problemas do Terceiro Mundo é o suficiente para nos fazer sentir bem. Depois de terceirizar o trabalho, depois de terceirizar a tortura, depois que as agências matrimoniais começaram a terceirizar até nossos encontros, é que percebemos que, há muito tempo, também permitimos que nossos engajamentos políticos sejam terceirizados – mas agora nós os queremos de volta.

Dirão que somos “não americanos”. Mas quando fundamentalistas conservadores nos disserem que os Estados Unidos são uma nação cristã, lembrem-se do que é o Cristianismo: o Espírito Santo, a comunidade livre e igualitária de fiéis unidos pelo amor. Nós, aqui, somos o Espírito Santo, enquanto em Wall Street eles são pagãos que adoram falsos ídolos.

Dirão que somos violentos, que nossa linguagem é violenta, referindo-se à ocupação e assim por diante. Sim, somos violentos, mas somente no mesmo sentido em que Mahatma Gandhi foi violento. Somos violentos porque queremos dar um basta no modo como as coisas andam – mas o que significa essa violência puramente simbólica quando comparada à violência necessária para sustentar o funcionamento constante do sistema capitalista global?

Seremos chamados de perdedores – mas os verdadeiros perdedores não estariam lá em Wall Street, os que se safaram com a ajuda de centenas de bilhões do nosso dinheiro? Vocês são chamados de socialistas, mas nos Estados Unidos já existe o socialismo para os ricos. Eles dirão que vocês não respeitam a propriedade privada, mas as especulações de Wall Street que levaram à queda de 2008 foram mais responsáveis pela extinção de propriedades privadas obtidas a duras penas do que se estivéssemos destruindo-as agora, dia e noite – pense nas centenas de casas hipotecadas…

Nós não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que merecidamente entrou em colapso em 1990 – e lembrem-se de que os comunistas que ainda detêm o poder atualmente governam o mais implacável dos capitalismos (na China). O sucesso do capitalismo chinês liderado pelo comunismo é um sinal abominável de que o casamento entre o capitalismo e a democracia está próximo do divórcio. Nós somos comunistas em um sentido apenas: nós nos importamos com os bens comuns – os da natureza, do conhecimento – que estão ameaçados pelo sistema.

Eles dirão que vocês estão sonhando, mas os verdadeiros sonhadores são os que pensam que as coisas podem continuar sendo o que são por um tempo indefinido, assim como ocorre com as mudanças cosméticas. Nós não estamos sonhando; nós acordamos de um sonho que está se transformando em pesadelo. Não estamos destruindo nada; somos apenas testemunhas de como o sistema está gradualmente destruindo a si próprio. Todos nós conhecemos a cena clássica dos desenhos animados: o gato chega à beira do precipício e continua caminhando, ignorando o fato de que não há chão sob suas patas; ele só começa a cair quando olha para baixo e vê o abismo. O que estamos fazendo é simplesmente levar os que estão no poder a olhar para baixo…

Então, a mudança é realmente possível? Hoje, o possível e o impossível são dispostos de maneira estranha. Nos domínios da liberdade pessoal e da tecnologia científica, o impossível está se tornando cada vez mais possível (ou pelo menos é o que nos dizem): “nada é impossível”, podemos ter sexo em suas mais perversas variações; arquivos inteiros de músicas, filmes e seriados de TV estão disponíveis para download; a viagem espacial está à venda para quem tiver dinheiro; podemos melhorar nossas habilidades físicas e psíquicas por meio de intervenções no genoma, e até mesmo realizar o sonho tecnognóstico de atingir a imortalidade transformando nossa identidade em um programa de computador. Por outro lado, no domínio das relações econômicas e sociais, somos bombardeados o tempo todo por um discurso do “você não pode” se envolver em atos políticos coletivos (que necessariamente terminam no terror totalitário), ou aderir ao antigo Estado de bem-estar social (ele nos transforma em não competitivos e leva à crise econômica), ou se isolar do mercado global etc. Quando medidas de austeridade são impostas, dizem-nos repetidas vezes que se trata apenas do que tem de ser feito. Quem sabe não chegou a hora de inverter as coordenadas do que é possível e impossível? Quem sabe não podemos ter mais solidariedade e assistência médica, já que não somos imortais?

Em meados de abril de 2011, a mídia revelou que o governo chinês havia proibido a exibição, em cinemas e na TV, de filmes que falassem de viagens no tempo e histórias paralelas, argumentando que elas trazem frivolidade para questões históricas sérias – até mesmo a fuga fictícia para uma realidade alternativa é considerada perigosa demais. Nós, do mundo Ocidental liberal, não precisamos de uma proibição tão explícita: a ideologia exerce poder material suficiente para evitar que narrativas históricas alternativas sejam interpretadas com o mínimo de seriedade. Para nós é fácil imaginar o fim do mundo – vide os inúmeros filmes apocalípticos –, mas não o fim do capitalismo.

Em uma velha piada da antiga República Democrática Alemã, um trabalhador alemão consegue um emprego na Sibéria; sabendo que todas as suas correspondências serão lidas pelos censores, ele diz para os amigos: “Vamos combinar um código: se vocês receberem uma carta minha escrita com tinta azul, ela é verdadeira; se a tinta for vermelha, é falsa”. Depois de um mês, os amigos receberam a primeira carta, escrita em azul: “Tudo é uma maravilha por aqui: os estoques estão cheios, a comida é abundante, os apartamentos são amplos e aquecidos, os cinemas exibem filmes ocidentais, há mulheres lindas prontas para um romance – a única coisa que não temos é tinta vermelha.” E essa situação, não é a mesma que vivemos até hoje? Temos toda a liberdade que desejamos – a única coisa que falta é a “tinta vermelha”: nós nos “sentimos livres” porque somos desprovidos da linguagem para articular nossa falta de liberdade. O que a falta de tinta vermelha significa é que, hoje, todos os principais termos que usamos para designar o conflito atual – “guerra ao terror”, “democracia e liberdade”, “direitos humanos” etc. etc. – são termos falsos que mistificam nossa percepção da situação em vez de permitir que pensemos nela. Você, que está aqui presente, está dando a todos nós tinta vermelha.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Emprego terceirizado: salário menor e jornada de trabalho maior

Este tipo de contrato atinge 25,5% do mercado formal, o que representa 10,8 milhões de empregados, segundo o estudo

Marli Moreira, Agência Brasil

 Um estudo da Central Única dos Trabalhadores (CUT) mostra que a terceirização de empresas fragilizou a qualidade do emprego no país. O levantamento aponta várias desvantagens na comparação com o emprego direto nas empresas que contrataram essa prestação de serviço. Entre elas, os salários mais baixos e a o cumprimento de jornadas mais longa.

Este tipo de contrato de trabalho atinge 25,5% do mercado formal, o que representa 10,8 milhões de empregados, segundo o estudo. Ele servirá de base para a argumentação do presidente nacional da CUT, Artur Henrique, durante audiência pública sobre a Terceirização e a Mão de Obra, que começa amanhã (3), no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília.

Com base em dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, o levantamento indica que os assalariados terceirizados ganhavam, em dezembro do ano passado, 27,1% menos do que os empregados diretos.

Enquanto nas empresas terceirizadas quase a metade dos contratados (48%) estava nas faixas de um a dois salários mínimos, nas empresas contratantes dos serviços o percentual ficou em 29%. Além disso, a jornada semanal de trabalho nas terceirizadas supera em até três horas a do contrato direto. Se houvesse uma equiparação, alerta o estudo, seriam gerados no país mais 801,3 mil vagas.

A rotatividade também é maior, informa o documento, com 44,9% ante 22% do regime contratual direto. Do total de 42,6 milhões de empregos formais, 10,8 milhões ocorrem por meio da terceirização. Seis estados concentram nível de admitidos acima da média nacional, de 25,5%: São Paulo com 3,6 milhões (29,3%); Minas Gerais com l,l3 milhão (26,%); Rio de Janeiro com l,08 milhão (26,75%) ; Santa Catarina com 535.176 (27,82%) e Ceará com 356.849 (27,38%).


Na estrada da crise

Filme Cruzando as Crises norte-americanas traz a história de jovens que rodaram os EUA em meio às turbulências financeiras

Jefferson Pinheiro, do Coletivo Catarse

Um filme de estrada, sobre um país que se despedaça. Com um carro emprestado, um casal de jovens (ele estadunidense, ela brasileira) percorreu 17 mil quilômetros pelos Estados Unidos, em duas viagens. A primeira, quando estourou a crise de 2008. A segunda, um ano após a eleição de Obama. Os dois se jogaram nas ruas para ouvir o que na rua estavam sentindo, pensando, dizendo e fazendo. Um filme de depoimentos impactantes de gente do povo. Com a palavra: latinos, negros, brancos pobres e indígenas. Um registro documental contundente que desmancha a ideia que temos (ou tínhamos) do país considerado a maior potência mundial. Um lugar que está se quebrando, onde a parte mais vulnerável da sociedade tenta juntar seus cacos. “Somos a cidade mais segregada, com a taxa de crimes mais alta. Detroit é o que é por causa da indústria, do capitalismo e da democracia. Somos o fracasso de tudo isto. É o que nos resta”, lamenta o jovem negro Jon Blount, no começo do filme, sob uma cidade desolada. 

Cruzando as crises norte-americanas é uma colagem de rostos, falas, lugares e situações que dão uma ideia do panorama geral. Sob a aparente segurança da economia mais forte, o caos vai entrando na vida de muita gente. Na tela, a animação gráfica percorre o trajeto no mapa que os diretores fazem nas ruas. De Rosebud a Denver e, depois, a Salt Lake City. E, assim, o território vai sendo visitado, mostrado, escutado, auscultado. Se fundem o olhar de Mike, de dentro, com o olhar de Silvia, de fora.

O documentário também foi dividido em duas partes que se completam. Na primeira, Colapso, a pior crise financeira dos Estados Unidos desde a Grande Depressão é apresentada nas notícias das TVs, jornais e rádios que escancaram o caos e se misturam com as imagens da estrada, pulando de cidade em cidade, estado em estado. Muitas vezes, da janela do carro os olhos da câmera captam paisagens áridas, degradadas, desertas, fantasmagóricas. A crise é ouvida nas falas de desilusão e desesperança, de quem perdeu o trabalho e a crença nos governos.

Na segunda parte, Ação, acompanha o que associações, Ongs, cooperativas e pessoas estão tentando reconstruir, conquistar através de mobilizações, passeatas, manifestações, greves, embates, articulações. É nesta parte que a luta da população vai sendo apresentada pelo que assegura a Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas que não é cumprido: não há saúde, educação, moradia e vida com dignidade para todas, para todos. Cruzando as crises é, essencialmente, um documentário sobre pessoas. E elas estão o tempo todo se sucedendo na tela: trabalhadores, ativistas, desempregados, estudantes, moradores de rua, sindicalistas, professores.

Até onde se pode confundir um governo com seu povo, tanto lá quanto em qualquer lugar? Parece que os estadunidenses estão descobrindo na própria carne, parte da dor que sua pátria já distribuiu em tantas outras geografias. “Não temos uma cultura social, temos uma cultura econômica, que não é sustentável. Talvez, todo este país esteja bêbado, e estamos começando a acordar com as conseqüências. Se a economia entrar em colapso, quem sabe vamos descobrir o valor das relações humanas”, reflete Michael Combs, um senhor de barbas brancas e chapéu furado, cantor de rua, escorado na parede de uma calçada em Santa Fé, Novo México. Antes de tudo, o filme é sobre esta crise de valores alienante, acachapante, que agora sacode os cidadãos. Como em Baltimore, onde trabalhadores mobilizados estão tentando criar uma “zona de direitos humanos”, onde finalmente estes sejam respeitados.

Parece contraditório que o país imperialista, que há décadas liderava sozinho a economia mundial, deixe seus próprios filhos na mão? Não é. Michael Moore nos seus filmes já revelou estas contradições e injustiças, mostrando o quão ridícula é, muitas vezes, sua sociedade e perverso seu sistema econômico, a lógica desse mercado selvagem que move o Estado yankee em declínio.

Agora, que muitas mentiras que alienaram quase uma sociedade inteira desmoronam, vem este golpe na autoestima, na arrogância e na onipotência. Gente que se diz cansada de ser tratada como lixo. Mas refletem os norte-americanos à custa da opressão de quem e em quais lugares conseguiram viver durante tanto tempo em altos níveis econômicos? Para isso não há perguntas nem respostas claras no filme. No entanto, para recuperar sua condição econômica, os mais pobres não miram outras riquezas que não as do próprio país: 10% da população é dona de 70% da riqueza total. Reivindicam redistribuir.

Incluindo-se nos excluídos
Mesmo que não chegue a ser didático, é um filme informativo, militante. Um grito de parte dos estadunidenses se incluindo entre os excluídos do mundo. São 43 milhões de pobres e 47 milhões sem seguro médico, que provavelmente não receberão atendimento se adoecerem. Desde o início da crise, em 2008, oito milhões de pessoas já perderam suas casas, por conta das hipotecas. Atualmente, apenas 53% das crianças negras terminam a escola. Na Califórnia, nos últimos 20 anos foram abertas 24 novas prisões e apenas uma universidade. É uma fábrica de prisões privadas, que serve para ganhar dinheiro com as pessoas que o próprio sistema exclui. Um em cada nove negros está preso nos Estados Unidos. No estado de Nova Iorque, dos encarcerados em seus 70 presídios, 80% são negros e latinos. “Enquanto estão resgatando as instituições financeiras, seguem encerrando comunidades pobres e negras em celas exóticas.

Exigimos liberdade para respirar!”, se impõe uma garota num parque em Oakland, enquanto alguns estudos falam na volta da escravidão.

“Resgataram os bancos! E nos venderam!”, denunciam os cartazes numa manifestação. “Não podem usar nosso dinheiro para nos oprimir”, alguém fala ao microfone. Passadas a euforia e a esperança no governo de Obama, a população tem a sensação de “mais do mesmo”. Para o casal que dirigiu o filme, a classe trabalhadora, os pobres e as minorias estão piores do que nunca e a indignação diante da crise econômica desastrosa é resultado de um caos gerado por um sistema de desigualdades. “As soluções não vão vir desde cima. As soluções para cruzar as crises estadunidenses estão nas mãos do povo”, constatam Mike e Silvia, diante da própria câmera. É o que enxerga também o líder comunitário Manuel Criollo: “É o povo que sustenta esse sistema”, lembrando que as pessoas organizadas podem ser as protagonistas das mudanças.

Não é uma tarefa simples a de colocar tanta gente e tantas situações para compor este outro retrato dos Estados Unidos e seu povo, mas por fim, é mesmo esta diversidade fragmentada que nos dá a oportunidade de compreender parte do que se passa por lá. E pensar nos erros que outras nações podem cometer, quando têm este país como referência. Em Porto Alegre, quando a produção foi exibida em junho, Alexandro, um cubano que passava por intercâmbio na cidade, repetia após a sessão que o filme precisava ser visto em Cuba, por todos. Desfazer mitos. Colocar a verdade no seu lugar. Por aqui também.

Num viaduto da capital gaúcha, há muitos anos se renova uma inscrição lembrando um pensamento de Mao: “O imperialismo é um tigre de papel”. Sempre achei esta frase um tanto ingênua, muito mais um desejo do que realidade. Mas este filme nos mostra sua fragilidade latente. Neste momento em que há tantas revoltas populares em ebulição e o capitalismo parece entrar novamente numa encruzilhada, mesmo que não seja de papel, o império outra vez expõe seus rasgos, dá sinais de que um dia pode e deve se desmanchar.

Fonte Brasil de Fato

sábado, 1 de outubro de 2011

Verde e laranja, cores de um mesmo borrão

O texto abaixo foi publicado alguns dias antes do assassinato de Benoni Alencar no último dia 27 de setembro em sua residência em Rio das Ostras.

Por BENONI ALENCAR
Um grupo de participantes do “Encontro Fé e Política”, realizado em Rio das Ostras, em 20 de agosto, no salão paroquial, acompanhou o palestrante Chico Alencar, deputado federal pelo PSOL-RJ, para uma conversa sobre o partido,  que se realizaria no polo riostrense da UFF (Puro), numa iniciativa do Núcleo Serramar, que organiza o próprio PSOL no município. Ali, nos comentários sobre a situação política em Rio das Ostras, ouvi pela primeira vez a expressão “verdes e laranjas”, para designar a dicotomia  eleitoral existente na cidade. Os verdes, personificados pelo ex-prefeito e, hoje, deputado Alcebíades Sabino; os laranjas, pelo atual prefeito Carlos Augusto Baltazar. Um participante resumiu o sentimento  geral com esta frase: “As duas cores, só na aparência, representam políticas distintas. Ambas são faces de uma mesma moeda – a moeda dos grupos econômicos que estão por trás deles e que financiam suas campanhas eleitorais”.

Calado encontrava-me,  calado fiquei  — queria mais ouvir do que falar. Mas, em casa, arrependi-me dessa posição, e resolvi escrever sobre o que sei dessa curiosa situação de Rio das Ostras. E, de cara, dou razão aos participantes do encontro com Chico Alencar — Sabino e Carlos Augusto são farinha do mesmo saco. Pois se apoiam nos mesmos grupos econômicos, e governam com os mesmos métodos e o mesmo modelo. Mas vamos aos fatos. Carlos Augusto só pôde ser alçado à categoria de grande cacique municipal  porque teve o apoio de Sabino para ser  seu  sucessor, em 2004. O chefe do PMDB, na eleição anterior, em que Sabino obteve o segundo mandato, pretendeu, sim, disputar a Prefeitura. Mas, como me disse numa conversa em que eu me achava no papel de repórter da “Folha dos Municípios”, não iria se aventurar por causa do “custo muito alto da campanha”.  Assim,só viria a se candidatar quatro anos depois, quando selou a paz com Sabino, unificando as fontes financiadoras da política de Rio das Ostras.  Nas eleição seguinte, dividiram-se – dividindo também as fontes financiadoras. Carlos Augusto levou a melhor.

O próprio Sabino – e é isso que quero contar – só chegaria à condição de chefão da política riostrense por causa de uma briga entre o primeiro prefeito municipal, Cláudio Ribeiro, e os financiadores da política local.  O hoje deputado  contou-me a longa história, na presença de um amigo dele de infância, o médico Cláudio Alencar do Rego Barros.  Vou procurar resumi-la. Cláudio Ribeiro, comerciante do ramo de marmoraria e vereador à Câmara de Casimiro de Abreu, disputou a eleição do município recém-emancipado — tendo como adversários o também vereador Gélson Apicelo, segundo mais votado, e o então bancário magricela Alcebíades Sabino, terceiro.

Na metade do mandado, quando se achava com a popularidade mais baixa que rabo de cobra, Cláudio Ribeiro chamou Sabino ao seu gabinete de prefeito, e lhe disse que iria iniciar uma nova etapa do mandado, necessitando do seu apoio. Revela, então, que rompera com os que haviam financiado sua eleição, dirigindo-lhes estas palavras: “Vocês já roubaram o suficiente; agora é minha hora de  atender meus compromissos com os eleitores, governando para a cidade”. Ou seja, Cláudio  colocava  ponto final na roubalheira que permitira até ali, e agora queria recuperar o respeito do povo — que o tratava carinhosamente de “Coronel”, retribuição a um tratamento que Cláudio, homem comunicativo e cheio de energia, contanto pouco mais de 40 anos, dispensava a todos que se acercavam dele. Olhou duramente os  olhos de Sabino, e segredou-lhe, em voz  reveladora de medo. “Esses homens são capazes de tudo, até de me matar. Por isso escolhi você para me apoiar, com seu grupo”.

Assassinado menos de dois meses depois, Cláudio Ribeiro expôs o seguinte plano. Desembaraçado dos sugadores do magro Orçamento municipal (não havia ainda o pote de ouro dos royalties do petróleo), recuperaria a popularidade, e apoiaria Sabino na sucessão (também não havia ainda a reeleição). Sabino, em contrapartida, deveria dar-lhe suporte na guerra “política” que eclodiria na cidade a partir daquele rompimento . Cético quando à possibilidade de Cláudio dar a volta por cima na sua impopularidade, Sabino prometeu  dar resposta depois e pôs uma pedra sobre o assunto.  Agoniado com a enrascada em que estava metido, Cláudio Ribeiro decidiu pôr o carro adiante dos bois, fazendo publicar nos jornais municipais, que controlova por meio das subvenções que dispensava à imprensa, a seguinte manchete: “Sabino é o candidato de Cláudio à sua sucessão”.

Sabino tremeu quando viu impressa aquela ameaça, no alto da  página. Lastimou com seus botões a leviandade de Cláúdio, que não esperara sua resposta – que seria negativa. Coronel, àquela altura da sua infeliz administração,  não tinha prestígio para eleger sequer um vereadorzinho pescado em sobra de legenda. Imagine-se fazer o sucessor.  Enquanto o magricela bancário digeria fel com que Cláudio o “mimava”, remoendo formas de minimizar os estragos que aquilo causava aos seus planos eleitorais, explode a bomba. Dois pistoleiros de aluguel, vindos do Rio, contratados pelos que Cláudio frustrara com sua decisão de acabar com a roubalheira,  mataram-no com vários tiros nas costas, no seu sítio em Vila Verde, em pleno meio dia .

Eu ainda morava em Niterói, e havia passado em Rio das Ostras um dos adoráveis fins-de semana que costumava desfrutar aqui, no verão, quando me deparei com a nota do assassinato de Cláudio Ribeiro na minha mesa de redator do “Jornal do Commercio”, do Rio, cabendo-me editar a notícia. FiSabino seria confirmado, pela viúva de Cláudio,  como o escolhido dele para a sucessão, e logrou eleger-se, derrotando o então favorito Gélson Apicelo, do PDT. Detalhe: a vice de Coronel, que completaria seu mandato, era também do PDT.

A história dessa tragédia, que relembro  ainda com emoção, mostra como a política de Rio das Ostras é governada pelos financiadores de campanha, que recuperam o capital investido, multiplicado várias vezes,  com os contratos que celebram com a Prefeitura durante o mandato do pupilo eleito. Contratos  — ou votos para deputado na eleição seguinte, como é o caso do deputado federal Alexandre Santos, do PSDB,  apoiado por Sabino desde o primeiro mandato; apoio mantido com Carlos Augusto.

E este é o motivo, a meu ver, pelo qual nunca  a política em Rio das Ostras se renova. Numa eleição sobem os verdes; na outra, os laranjas.  Por detrás, sem visibilidade clara para os eleitores, os que nunca perdem eleição — os financiadores doublés de contratantes da Prefeitura, ou de deputados  “benfeitores do município”, na expressão com que os prefeitos (laranja ou verdes) os apresentam à população. O campeão, até agora, é Alexandre Santos.
  
Benoni foi integrante do Núcleo Serramar do PSOL, jornalista e técnico judiciário.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Estudantes chilenos voltam às ruas para nova marcha

O Chile foi palco da 36ª marcha estudantil por um ensino público gratuito e de qualidade na manhã desta quinta-feira, dois dias após as entidades representativas aceitarem o estabelecimento de uma mesa de diálogo com o governo. 

A marcha foi convocada pela Confederação de Estudantes do Chile (Confech) e partiu da Universidade de Santiago, na zona oeste da capital, passou pela Alameda, principal via da cidade, em direção à Faculdade de Engenharia da Universidade do Chile. 

A presidente da Confech, Camila Vallejo, declarou à imprensa que o objetivo da manifestação é demonstrar pressão do movimento estudantil chileno sobre a Lei do Orçamento, que deverá ser analisada em breve.
Ela acrescentou que espera que o Executivo não insista em colocar como condição para o diálogo a volta às aulas.
De acordo com o jornal chileno La Tercera, nesta manhã, o ministro da Educação, Felipe Bulnes, esteve reunido com reitores das universidades do país para tratar sobre o retorno às atividades escolares. 

O protesto teve adesão de trabalhadores da saúde e, segundo os carabineiros (policiais militares), o ocorreu de forma pacífica pelas ruas da capital. Só houve incidentes isolados, sendo que em um deles os oficiais tiveram que usar carros de água e gás lacrimogêneo para conter os manifestantes. 

A greve estudantil, que já dura cinco meses, conta com apoio de 89% da população, enquanto o presidente Piñera é aprovado por apenas 22%, o menor nível de um chefe de governo desde a redemocratização do Chile. 

Na Índia, trabalhadores domésticos precisam ser mais respeitados

Por Nilanjana S. Roy
Anju Sengupta nunca ouviu falar da Convenção para os Trabalhadores Domésticos da Organização Internacional do Trabalho, e ela tampouco sabia que a Índia foi um dos países que votou favoravelmente à convenção no mês passado, em Genebra.

Mas Sengupta, que tem 46 anos de idade e que trabalhou durante mais de 30 desses anos como empregada doméstica em várias casas, não tem nenhuma dificuldade em entender as questões envolvidas.

“Como essa é uma tarefa feminina que envolve as atividades mais penosas feitas nas casas de família, o nosso trabalho não é levado a sério – apesar de que, sem nós, as pessoas não seriam capazes de administrar as suas vidas”, diz ela. “Mas, ao contrário do que ocorre no escritório, onde há normas definidas, em cada casa que eu trabalhei havia uma ideia diferente a respeito de quanto eu deveria receber, de quanto tempo eu trabalharia e até da quantidade de açúcar que eu poderia colocar no meu chá. Talvez as pessoas não venham a seguir as leis imediatamente, mas se forem instituídas legislações para a proteção de trabalhadores como eu, as pessoas poderão pensar duas vezes antes de nos maltratarem tanto”.

O clichê mais ouvido na Índia é que os trabalhadores domésticos fazem parte da família, algo que oculta as histórias deprimentes de baixa remuneração e de abuso físico cometidos contra esses trabalhadores. Um estudo feito em 2005 pela Comissão Nacional de Direitos Humanos e um outro de 2008 conduzido pelo Jagori, um grupo de apoio às mulheres, documentaram como esse setor do mercado de trabalho indiano é especialmente vulnerável ao tráfico, à exploração financeira e sexual e ao confinamento forçado.

A Organização Internacional do Trabalho estima que haja pelo menos 4,75 milhões de trabalhadores domésticos empregados em domicílios particulares na Índia, dos quais 3,4 milhões, ou cerca de 72%, são mulheres. Até alguns anos atrás, os trabalhadores domésticos na Índia tinham poucos direitos e estavam muito mal organizados. Para alguns, essa sensação de impotência ainda é forte.

Gita, que trabalha como empregada doméstica em Gurgaon, ecoou a frustração de muitos ao afirmar: “O governo ordenará à minha patroa que me conceda um dia de folga por semana e que me dê um aumento de salário? Faço essa pergunta por que se eu pedir isso a ela, serei despedida”. Pelo mesmo motivo, ela não quis fornecer o seu nome completo para publicação nesta matéria.

A jornada diária de trabalho de Gita, que varia entre dez e quinze horas, lhe rende 5.800 rupias, ou menos de US$ 130, por mês.

Outras pessoas na Índia estão mais conscientes das mudanças nas leis, um fenômeno que pode ser paralelo ao desconforto crescente entre os membros da classe média com a maneira, muitas vezes feudal, como os trabalhadores domésticos são historicamente tratados neste país.

A irmã Jeanne Devos, uma freira católica nascida na Bélgica e que é coordenadora nacional do Movimento Nacional dos Trabalhadores Domésticos, monitora a situação desses trabalhadores desde meados da década de oitenta.

“A situação está mudando rapidamente, e nos últimos cinco anos eu tenho presenciado um grande avanço”, diz a irmã Jeanne. Sete Estados indianos aprovaram leis que fazem com que os trabalhadores domésticos sejam cobertos pela Lei de Salário Mínimo, um reconhecimento pequeno, mas significativo, dos direitos básicos. Benefícios da previdência social estarão disponíveis pela primeira vez em breve, e o governo anunciará a cobertura de saúde para os trabalhadores domésticos e três familiares. E a irmã Jeanne, assim como muitos outros ativistas nesta área, espera que as normas estabelecidas pela convenção da Organização Internacional do Trabalho sejam aceitas pelos Estados indianos, mesmo que demore alguns anos até que o governo federal ratifique a convenção.

Uma das questões mais polêmicas para os trabalhadores domésticos na Índia é aquela referente à segurança no local de trabalho. Uma lei pioneira de 2010 que coíbe o assédio sexual no local de trabalho foi criticada por excluir os trabalhadores domésticos. A justificativa apresentada pelos redatores da lei é que seria difícil fiscalizar domicílios particulares.

“A força tarefa do Ministério do Trabalho está cogitando emendas à lei do assédio sexual”, diz a irmã Jeanne. “Se uma casa é definida como sendo um espaço privado, o empregador não deveria contratar uma pessoa de fora como funcionário. Isso é algo que começa pelo nome – trabalhador doméstico. Ele é uma identidade que permite aos trabalhadores ver dignidade no seu trabalho, fazer comparações com aeromoças, enxergar o valor do trabalho que fazem, não importando se esse trabalho seja cuidar de crianças ou de pessoas idosas”.

Reiko Tsushima, especialista em igualdade entre os sexos e questões relativas a mulheres trabalhadoras da Organização Internacional do Trabalho, tem uma visão mais complexa dessa questão. “O trabalho doméstico é muitas vezes considerado uma extensão do trabalho feminino, e é preciso que haja um consenso quanto à ideia de que a casa é também um local de trabalho”, diz ela. “Se todos os Estados indianos aceitarem a recomendação do Ministério do Trabalho de que os trabalhadores domésticos sejam cobertos pela Lei do Salário Mínimo em todo o país, isso frisará que a casa é um local de trabalho”.

“Os últimos cinco anos foram de muito entusiasmo”, diz ela. “A nossa esperança é que os trabalhadores domésticos possam ser cobertos por essa nova política e pelos avanços legislativos, e que a ideia de que eles têm direitos seja aceita. Uma parte significativa do trabalho legislativo até o momento tem se concentrado na questão da previdência social, mas está havendo um deslocamento em direção aos direitos e à regulamentação das condições de trabalho”.

Uma das vozes mais fortes em meio aos trabalhadores domésticos é a de Baby Haldar, cujas memórias, “A Life Less Ordinary” (“Uma Vida Menos Ordinária”), foram publicadas em 2002. Haldar, 37, está concluindo uma continuação do seu primeiro livro e continua trabalhando como empregada doméstica na casa de um professor que ela considera um mentor e amigo.

“É preciso haver uma mudança”, diz ela. “Eu sou tratada com respeito, mas muitas outras mulheres não são. Os tribunais e o governo criam muitas, muitas leis. Mas o que eles precisam realmente fazer é reconhecer que o trabalho que nós realizamos nas casas é importante”.

Nas suas memórias, Haldar escreveu sobre as casas nas quais trabalhou antes de encontrar o seu atual patrão, onde a dignidade e os diretos que ela achava que merecia – boas condições de trabalho, folga – lhes eram negados, assim como ocorre frequentemente com os trabalhadores domésticos na Índia.

“Algumas pessoas entendem que nós estamos cuidando das coisas mais preciosas das suas vidas – as suas casas, os seus filhos, os seus pais... a paz de espírito dessas pessoas está nas nossas mãos”, explica ela. “Essa atitude por parte dos empregadores precisa se disseminar. Mudar a lei é algo de positivo, mas a mudança real que nós desejamos só terá início com respeito”.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

111 dias de greve dos professores: semente de uma educação pública de qualidade

A greve durará até o dia em que o Governador Antonio Anastasia (PSDB + DEM) deixe de ser intransigente e se abra ao diálogo

Por Gilvander Moreira

“Tive sede e me destes de beber. Tive fome e me destes de comer.” (Mateus 25,35)
Parodiando, podemos dizer: “Estava em greve, na luta por justiça e estavas a meu lado, viestes atender ao meu clamor."

 Dia 26 de setembro de 2011, a greve das/os professoras/res da Rede Estadual de Educação de Minas Gerais completa 111 dias e segue por tempo indeterminado até o dia em que o Governador Antonio Anastasia (PSDB + DEM) deixe de ser intransigente, se abra ao diálogo e atenda às justas e legítimas reivindicações dos professores que participam da mais longa greve da história de Minas.

Há 8 dias, a professora Marilda de Abreu Araújo e o técnico em Educação Abdon Geraldo Guimarães estão em greve de fome na Assembleia Legislativa de Minas. Marilda, 59 anos, de Divinópolis, MG, é professora há 32 anos. Ela disse: “Estou em greve de fome há 8 dias para que o governador Anastasia pare de ser intransigente e se abra ao diálogo. Participei de todas as greves em 32 anos como professora. O que mais me marca nessa greve é a intransigência do governador de Minas.”

Abdon, 39 anos, de Varginha, é pai de três filhas, duas das quais gêmeas de três meses. Ele diz: “Estamos com nossos salários cortados há 2 meses e já se vai para o 3º mês sem salário. As dificuldades para quem está na greve são enormes. Ao Anastasia peço respeito aos educadores. Atenda as nossas justas reivindicações. Reivindicamos pouco: apenas o piso salarial nacional, garantido pela Lei Federal 11.738/08, hoje, R$1.187,00 que em janeiro de 2012 passará para R$1.384,00."

O prof. Dr. José Luiz Quadros, no artigo “Greve dos professores em Minas Gerais”, ao defender com veemência a justeza da greve e das reivindicações dos educadores, alerta que o governo de Minas, ao contratar professores para substituir os que estão em greve, está intimidando e criando um dilema moral para o povo mineiro. Diz ele: “Como professores poderão aceitar participar de um processo de escolha para substituir colegas que se encontram em greve? Esta perspectiva de falta de compromisso com a categoria, falta de solidariedade com o colega, de priorizar um projeto egoísta de se dar bem (bem?) com o desemprego do outro é lamentável. Lamentável mesmo que o estado cause este constrangimento e mais lamentável quem aceita esta proposta. Como este professor fará quando daqui alguns anos ele não conseguir viver dignamente com o salário de fome que recebe. Ele fará greve? Ora, não vai adiantar nada uma vez que não terá força moral para esperar solidariedade das outras pessoas.”

A postura de intransigência do Governo do Estado revela a total ausência de ética imprescindível ao cargo e à tarefa que assumiu. A decisão por convocar novos professores para assumirem a cadeira dos que estão em greve acentua a dimensão antiética deste governo. A atual greve dos professores reivindica dignidade para toda a classe trabalhadora de professores. Os que estão contratados e os que ainda não. Trata-se de uma luta mais ampla. Por uma educação pública de qualidade que passa necessariamente pela valorização dos/as professores/as.

Aos professores que se sentem inseguros diante do corte de salários, do dia de trabalho, de retaliações, calúnias e difamações por parte do Governo estadual, da mídia e da sociedade, recordo o que disse Jean Cocteau, Mark Twain e tantos outros: "Não sabendo que era impossível, foi lá e fez". Sei que há milhares de professores que estão sem dormir, porque se preocupam também com os estudantes. Saibam que vocês, queridas/os educadoras/res, estão plantando sementes da educação pública de qualidade em Minas Gerais.

A Mídia, à exaustão, vem alardeando, que os professores em greve, ao fazerem passeatas, atrapalha o trânsito. Assim, a Mídia não vê para onde os professores em greve apontam. Vê apenas o dedo dos nossos heróicos educadores. Um vereador míope chegou ao absurdo de propor um projeto de lei na Câmara de Belo Horizonte para proibir manifestação pública dentro do perímetro da Av. do Contorno, alegando que as passeatas atrapalham o trânsito. Digo: Quem atrapalha o trânsito não são os professores em greve e nem os movimentos populares ou sindicatos que, de cabeça erguida, dentro de prescrição constitucional, lutam manifestando publicamente suas reivindicações. Logo, quem está atrapalhando o trânsito é o governador Anastasia, o TJMG e todas as autoridades que não escutam os clamores dos professores empobrecidos. Se o Governador Anastasia fosse um democrata, já teria se aberto ao diálogo e a negociação séria com os educadores. O SINDUTE buscou diálogo com o governador durante seis meses, antes de iniciar a greve, mas não foi atendido. Agora vem dizer que só negocia se a greve acabar. Não negociava antes da greve, irá negociar sem a pressão da greve? Ao continuar com essa intransigência, o futuro político do Anastasia será efêmero. Anastasia, seu barco vai afundar! O prefeito Márcio Lacerda, dia 24/09/2011, já teve o seu futuro político sepultado por mais de 2 mil militantes que se manifestaram pelas ruas de BH no “Fora Lacerda”.

As/os professoras/res de Minas estão interpelando a consciência de toda a sociedade. Não há espaço para neutralidade. Ou se compromete e engaja na luta ao lado dos educadores tão discriminados no 2º estado que mais arrecada impostos e que paga um dos piores salários aos professores ou assuma que é omisso, cúmplice e covarde, pois se trata de causa da educação pública, assunto que deve ser uma prioridade absoluta de todos/as.

A greve dos mil operários da reforma do Mineirão durou apenas alguns dias. O governo tremeu na base e se abriu para a negociação imediatamente. “As obras da COPA não podem atrasar”, dizem. A educação pública pode ficar no fundo do poço? Minas terá futuro sem uma educação pública de qualidade?

Queridos pais e estudantes, a hora exige que toda a sociedade se junte na luta ao lado dos professores que lutam não apenas por melhores salários, mas por uma educação pública de qualidade. Se os professores forem derrotados, toda a sociedade será derrotada. Isso não pode acontecer. Lutemos até a vitória!

A educadora Marilda e o educador Abdon, em greve de fome há 8 dias, estão nos dando um grande exemplo de doação de vida em prol do bem maior que é educação pública de qualidade para todos.

Frei Gilvander é Mestre em Exegese Bíblica, professor, frei e padre carmelita, professor de Teologia Bíblica, assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis

sábado, 24 de setembro de 2011

10% do PIB para a educação já!

Tomar as ruas, lutar por direitos, assumir bandeiras coletivas, eis a função social real de nos movermos todos pela educação

Por Roberta Traspadini

1. A educação pede socorro:
O orçamento geral da União de 2010 foi de R$1,4 trilhão de reais. Este valor é dividido, como gasto público, com base nas prioridades do Governo Federal. Foram destinados R$635 bilhões (44,93%) do total do orçamento a pagamentos de juros e amortizações das dívidas do Governo Federal, enquanto a educação recebeu somente 2,89% do valor total.

Neste processo de priorizar o pagamento das dívidas e o financiamento de projetos do capital, crescem as iniciativas sociais de “recuperação da educação pública brasileira”, protagonizadas pelas organizações sem fins lucrativos (ONG´s).

Amigos da Escola e Todos pela Educação são exemplos da lógica dominante de aparente socorro do público pelo privado, que mascara a condução política dos recursos públicos pelo grande capital.

O projeto Todos pela educação criado em 2006, traça 5 metas para o período de 2006-2022 que, segundo seus porta-vozes, deverão reverter o quadro de dependência e sujeição histórica da fração mais pobre da sociedade brasileira.

As metas são: 1) Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; 2) Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; 3) Todo aluno com aprendizado adequado à sua série; 4) Todo jovem com o Ensino Médio concluído até os 19 anos; 5) Investimento em Educação ampliado e bem gerido.

Entre os patrocinadores do projeto estão: Santander, Dpaschoal, institutos Unibanco, HSBC, Camargo Correa, Odebrecht, Itaú Social, Gerdau, Fundações Bradesco, Suzano papel e celulose. A Rede Globo entra como parceira e Amigos da Escola e Microsoft, apoiadores.

Estas pessoas jurídicas acima são o corpo social do grande capital, cuja razão real de ser, é desconhecida por grande parte da sociedade brasileira. O que caracteriza a responsabilidade social? Quanto uma fundação que executa atividades como estas, pode isentar-se de parte dos impostos devidos sobre sua base de lucros no ano corrente?

Também chama a atenção no site Amigos da Escola a concepção de trabalho voluntário, a partir da consciência individual sobre a participação para um futuro inclusivo para fração da sociedade.

Em nenhum destes programas o problema central da educação nos remete ao processo político dos gastos públicos brasileiros que transforma o essencial em periférico, como é o caso da educação.

Estes projetos contam com todos os recursos para propagandear suas verdades, uma vez que consolidam a concepção do voluntário cidadão que está servindo ao futuro da Nação, ao destinar seu tempo e coração a estas ações.

Os trabalhadores voluntários merecem nossa atenção, dada a disputa que necessitamos realizar. Mas os que convocam, são usurpadores do tempo, do trabalho, da cidadania participativa concreta.  

2.    Luta pela educação como direito:
O que estes projetos ocultam, na faceta de amigos e todos pela escola, é a real necessidade do direito democrático e popular do povo brasileiro de exigir e lutar por/pela:

- uma educação pública de qualidade com o compromisso do Estado de cumprir com sua função republicana de destinar uma verba compatível com aquilo que recebe de impostos de sua sociedade. 10% do PIB para a educação já.

- condições dignas de trabalho e de remuneração para os educadores e funcionários públicos da educação, que têm atuado, a partir dos salários que recebem como voluntários pela justiça social.

- garantia de acesso-permanência da criança e do jovem na escola e de uma aprendizagem de saberes múltiplos que remetam o papel essencial da escola na vida destes sujeitos. A escola como espaço fomentador de beleza e cultivo, próprio para gerar algo para além de seus muros: a realização dos sonhos potencializada pela educação pública de qualidade.

- realização de uma alimentação escolar digna. Na atualidade, tanto as crianças como as merendas são tratadas como recursos em disputa a serem barateados.

- conformação de um serviço público prioritário, em que não se terceirizem funções estratégicas do cuidar, como a limpeza, a segurança e a manutenção geral do ambiente escolar.

3. Sujeitos de direitos x amigos da escola:
Agiremos em prol da educação como cidadãos se deixarmos de sermos amigos e passarmos à condição de sujeitos de direitos e deveres em pé de igualdade. Isto requer ver a escola não a partir do que cada um possa dar, mas pela instituição do caráter legítimo e legal de que todos devem ter acesso à educação de qualidade, como direito.

Tomar as ruas, lutar por direitos, assumir bandeiras coletivas, eis a função social real de nos movermos todos pela educação.

Gerar um antivalor à educação projetada pelo capital, associado à governança pública, cuja ação é a de substituir direito por benevolência, recursos públicos por trabalho voluntário, consciência de classe por doação individual de seus saberes.

A movimentação social da educação mineira, há mais de 100 dias em greve, nos dá ares reais da necessidade de reversão do histórico quadro de precarização da educação pública. Mexeu com o professor, mexeu conosco em qualquer parte do País e do mundo!

A escola pública brasileira não necessita de amigos. Necessita de políticas públicas que consolidem direitos e garantam a prioridade na formação da infância e da juventude. Há um projeto em disputa. É necessário que compremos a briga, que declaremos nossas diferenças, que instituamos nossas verdades frente à fantasia organizada pelo grande capital.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Partícula pode ter rompido barreira da luz

Neutrinos observados por cientistas europeus teriam quebrado limite cósmico de velocidade proposto por Einstein

Diferença foi de apenas 60 bilionésimos de segundo; comunidade de físicos recebeu o dado com cautela

Por Reinaldo José Lopes

O Universo não é uma rodovia, mas estabelece um limite de velocidade que nada nem ninguém consegue violar: o da luz. Nada, a não ser partículas "fantasmagóricas" cuja jornada pode ter revolucionado a física.

As partículas são chamadas de neutrinos e foram observadas levando a "multa" cósmica por excesso de velocidade no Laboratório Nacional Gran Sasso, na Itália.

Num experimento bolado por cientistas europeus, esses neutrinos são lançados do Cern (Organização Europeia de Pesquisa Nuclear), que fica na fronteira entre a Suíça e a França, rumo ao laboratório italiano, percorrendo uma distância de 730 km por baixo da terra.

Acontece que, segundo a equipe do físico Antonio Ereditato, as partículas concluíram sua jornada 60 nanossegundos (bilionésimos de segundo) antes do que deveriam caso a velocidade da luz tivesse sido respeitada. "Ficamos chocados", disse Ereditato à revista "Nature".

Se o experimento estiver certo, cai por terra uma das ideias fundamentais do físico alemão Albert Einstein (1879-1955), justamente o responsável por consolidar a ideia de que nada no Cosmos seria capaz de viajar mais rápido do que a luz.

COBRANDO A MULTA
Einstein demonstrou, entre outras coisas, que o Universo cobra a multa por excesso de velocidade fazendo com que a massa (o que se chama popularmente de "peso") de um objeto pareça ficar cada vez maior conforme ele se aproxima da velocidade típica da luz no vácuo.

Isso faz com que se torne mais e mais difícil acelerar o objeto apressadinho. Quando chega muito perto da velocidade-limite, fica tão "gordo" que a aceleração deixa de ocorrer e ele nunca se torna mais rápido que a luz.

Se os neutrinos realmente estão quebrando essa regra, será mais um item no arsenal de esquisitices dessas partículas. Eletricamente neutras (daí o nome), elas também são "fantasmagóricas" porque quase não interagem com a matéria. Mais de 60 bilhões deles, vindos do Sol, atravessam cada centímetro quadrado do seu corpo por segundo.

"Vários fenômenos estranhos, não previstos pelo Modelo Padrão [a versão mais aceita da física de partículas], têm sido observados com os neutrinos", lembra João dos Anjos, pesquisador do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) que estuda as partículas. Ele disse não conhecer o trabalho de Ereditato.

Por enquanto, a reação da comunidade científica é de cautela. Não é a primeira vez que neutrinos parecem romper a barreira teorizada por Albert Einstein, mas a coisa nunca foi confirmada.

E as observações consideradas o padrão-ouro da área, que envolveram o monitoramento dos neutrinos "cuspidos" por uma estrela que explodiu e foi vista da Terra em 1987, não são consistentes com a anomalia.

Ereditato e companhia, no entanto, dizem-se confiantes. Outros pesquisadores tentarão confirmar o fenômeno.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ideal de ensino libertário continua contribuindo com aprendizagem

“Defendo a educação desocultadora de verdades. Educando e educadores funcionando como sujeitos para desvendar o mundo”, dizia Freire

Por Desirèe Luíse

Na busca do ideal de educação fundamentada na democracia e na tolerância, Paulo Freire fez história. Em pleno século XXI, a proposta do educador brasileiro está presente tanto no legado de suas obras como na atualidade de seu pensamento. Nesta segunda-feira (19/9), Paulo Freire completaria 90 anos. Comemorações do seu nascimento acontecem desde o início do ano em todo o país.

Internacionalmente respeitado, os livros do educador foram traduzidos em mais de 20 línguas. No Brasil, tornou-se um clássico, obrigatório para qualquer estudante de pedagogia ou pesquisador de educação. Detentor de pelo menos 40 títulos honoris causa (por universidades a pessoas consideradas notáveis), Freire recebeu prêmios como Educação para a Paz (Nações Unidas, 1986) e Educador dos Continentes (Organização dos Estados Americanos, 1992).

“Defendo a educação desocultadora de verdades. Educando e educadores funcionando como sujeitos para desvendar o mundo”, dizia Freire.
 
A educação como prática da liberdade, defendida por ele, enxerga o educando como sujeito da história, tendo o diálogo e a troca como traço essencial no desenvolvimento da consciência crítica.

Uma pesquisa sobre o educador feita em escolas públicas de São Paulo a partir dos anos 90, pela Cátedra Paulo Freire (PUC-SP), constatou que aquelas baseadas em gestões democráticas são as que mais se aproximam do pensamento freireano. “Suas reflexões servem de base para discutir os desafios do mundo”, afirma a coordenadora da Cátedra, Ana Maria Saul, que trabalhou com o educador entre 1980 e 1997.

Freire se mantém presente também na universidade. Uma consulta na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) revela que entre 1987 e 2010, 1441 pesquisas tiveram como referencial o educador – 75% na área das ciências humanas, 19% na biológicas e 6% na exatas. “Esses números, que têm crescido a cada ano, e a diversidade de áreas mostram como é fértil a reflexão de Paulo”, aponta Ana Maria.

Atualidade do pensamento
“Ele usava o passado para interpretar melhor o presente. Tenho certeza que Paulo já estava no século XXI pelos questionamentos que colocava. Dizia: ‘se vocês concordam comigo, não me repitam, recriem’”, lembra a coordenadora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Lisete Arelaro. Ela trabalhou com Freire durante os anos 90 e ministra a disciplina eletiva “Paulo Freire: Teoria e Práxis”.

A atualidade do autor é comprovada, por exemplo, em uma das questões que mais perturba a educação pública hoje: o uso de apostilas como o único material didático. “Discordo de separar pacotes para o professor dar aulas, com materiais distantes da realidade. Precisamos da curiosidade crítica”, questionou Freire certa vez.

“Paulo falava que não existe uma teoria científica dizendo que o aprendizado pode acontecer apenas de um determinado jeito, ou parâmetros regulando o que cada criança deve debater no Pará, Rio Grande do Sul, São Paulo e Bahia, sem os contextos de cada uma”, diz Lisete. “Se vivo estivesse, faria uma campanha na rua, porque isso compromete o ato de aprender”, analisa.

Antes de conhecer, o sujeito se interessa pelo o que é curioso e esperançoso, dizia Freire. “Daí a importância de trabalhar a sedução do professor frente ao aluno, a motivação e o encantamento”, pontua  o diretor do Instituto Paulo Freire, Moacir Gadotti, que conviveu 23 anos com o educador.

É preciso mostrar que “aprender é gostoso, mas exige esforço”, segundo o educador no primeiro documento que encaminhou aos professores quando assumiu a Secretaria de Educação do Município de São Paulo (1989-1991). Hoje, um dos maiores problemas do ensino médio é a evasão escolar. Cerca de 40% dos jovens abandonam a última etapa da educação básica por desinteresse, apontam pesquisas.

Em conferências para professores, Gadotti identificou que há uma ânsia por entender melhor porque está tão difícil educar, para saber o que fazer quando todas as receitas já não conseguem responder. “Professores procuram cada vez mais cursos e conferências, para buscar na formação continuada respostas que não encontram na formação inicial”, afirmou em artigo "A atualidade de Paulo Freire"

O educador  dava muita importância para o ato de ensinar e aprender de forma horizontalizada. “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”, reflete Freire em sua obra “Pedagogia da Autonomia”. Segundo ele, não só a participação dos alunos na sala de aula é bem-vinda, mas no conjunto de assuntos que envolvem toda a escola.

“A gestão democrática fundamenta toda a sua teoria do conhecimento. A ideia é ter diferentes grupos para opinarem e construírem. Para ele, todos os espaços de convivência educam para adquirir nossa autonomia intelectual”, ressalta Lisete. “Estamos em momentos difíceis. Cada dia mais indo contra isso. A divergência da teoria do outro não tem gerado um debate saudável.”

Com suas ideias inovadoras, Paulo Freire também incomodava muito. Mesmo atualmente, é questionado pelo incentivo a uma “pedagogia sem hierarquia”. Uma das razões é sua proposta do uso da crítica como referência principal para a escola avaliar a importância do conteúdo ensinado.

“No momento em que estamos discutindo a homogeinização de currículos pedagógicos, em função de provas nacionais, estaduais e municipais, evidentemente que Paulo representa uma contra corrente”, afirma Lisete. No Plano Nacional de Educação (PNE), em análise no Congresso, está previsto a incorporação do Programa Internacional de Avaliações de Alunos (Pisa) como referência de avaliação.

Freire questionaria, ainda, o processo de bonificação dos professores tendo em vista o rendimento dos alunos em provas nacionais e estaduais, de acordo com Lisete. “Para tudo isso ele não só sorriria, mas diria que é um grande equívoco”, acredita.

Biografia
 Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife (PE), teve dois casamentos e cinco filhos. Formou-se em direito, mas começou sua vida profissional como professor de língua portuguesa.

Quando criança, depois de passar fome por causa da crise de 1929, mudou-se de Recife para o interior. Foi em Jaboatão – 18 km da capital pernambucana – que o contato com a pobreza ficou mais forte. “Lá, aprendi, em primeiro lugar, a ampliar o meu mundo. Fiz amigos filhos de camponeses ou trabalhadores urbanos”, conta Freire em depoimento para o Museu da Pessoa em 1992.

“Eu me perguntava e tentava entender porque eu não comia e os outros comiam. Quer dizer, desde tenra idade eu me preparava para me opor às injustiças sociais. Quando adulto, comecei a me lançar no esforço político-pedagógico e então tudo isso veio à tona.”

Sem oportunidades, ele entrou tarde na escola. Enquanto colegas se preparavam para a universidade, Freire, aos 16 anos, começou a estudar o primeiro ano do antigo ginásio – correspondente ao 5º ano do ensino fundamental. “Mas, não acho que perdi tempo. Eu estava educando-me no mundo.”

A partir de suas primeiras experiências como professor, em Angicos (RN), em 1963, quando ensinou 300 adultos a ler e a escrever em dois meses, Paulo Freire desenvolveu um método inovador de alfabetização. Então, um dos ministros do governo João Goulart, Paulo de Tarso, o chamou para implantar o Plano de Alfabetização Nacional, que acabou sendo abortado pelo golpe militar.

Acusado de subversão, o educador passou 72 dias na prisão e, em seguida, partiu para o exílio. No Chile, trabalhou por cinco anos no Instituto Chileno para a Reforma Agrária. Nesse período, escreveu o seu principal livro: Pedagogia do Oprimido (1968). Em 1969, lecionou na Universidade de Harvard (EUA), e, na década de 1970, foi consultor do Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra (Suíça).

Em 1980, depois de 16 anos de exílio, retornou ao Brasil. Lecionou na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em 1989, foi secretário de Educação no município de São Paulo, na prefeitura de Luíza Erundina.

Após a morte de sua primeira mulher, casou-se com uma ex-aluna, Ana Maria Araújo Freire. Com ela viveu até morrer, vítima de infarto, em São Paulo, no dia 2 de maio de 1997, aos 75 anos.

O homem
“Quando Erundina o chamou para ser secretario, vi a coerência de seu pensamento e sua prática”, lembra a coordenadora da Cátedra, Ana Maria Seul. Lisete Arelaro concorda: “Ele faz muita falta, era extremamente bem humorado e tinha uma tranquilidade por sua coerência. Produziu seus conhecimentos para os condenados da terra e esfarrapados do mundo”.

“Se vivo fosse, seria um velhinho bondoso. Foi um homem que sabia escutar. A sabedoria que tinha é consequência do que construiu nele mesmo: as virtudes mais humanas”, diz a viúva do educador, Ana Maria Freire, autora do livro “Paulo Freire – Uma História de Vida”.

Ao se perguntar se Paulo nasceu com os pontos positivos ressaltados por aqueles que conviveram com ele, Ana Maria responde: “Ele dizia que nascemos com algumas tendências. O que nos faz ser isso ou aquilo são as condições sociais na família, escola e sociedade. Ele não teria sido o que foi sem Jabotão”.

Paulo Freire do futuro
O educador centrou suas análises na relação entre educação e vida, reagindo às pedagogias tecnicistas de seu tempo. “Gostaria de ser lembrado como alguém que amou a vida”, disse duas semanas antes de falecer, em entrevista à emissora Globo.

“Creio que o reconhecimento da importância de sua obra no campo da educação acontecerá quando a escola deixar de ser confinada no seu espaço para reconhecer a educação ao longo da vida, o que significa reconhecer que ela é essencialmente informal. Freire não pode ser considerado uma contribuição ao passado, mas ao futuro”, conclui o diretor do Instituto Paulo Freire, Gadotti.

As lições que Paulo Freire deixou devem mesmo continuar válidas por muito tempo. “O meu sonho pela liberdade me estimula a lutar pela justiça, pelo respeito ao outro e à diferença. Quer dizer, meu sonho é que inventemos uma sociedade menos feia do que a nossa de hoje”, disse em 1992.